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O paradoxo que o Governo não vê: uma descida significativa de preços nas portagens nas ex-SCUT do interior aumentaria a receita global do Estado

Vem este título a propósito de um estudo da empresa Infraestruturas de Portugal (ex-Estradas de Portugal), encomendado ainda pelo anterior Governo, sobre a descida dos preços nas antigas SCUT e que defende que a medida aumentaria muito as receitas com portagens.

Segundo a agência noticiosa oficial Lusa, o estudo em causa foi realizado a pedido do anterior Governo, embora as suas conclusões aparentemente nunca tenham sido conhecidas por ele ou, pelo menos, não foram colocadas em prática durante a sua governação surgindo agora a público, numa altura em que o atual executivo implementou descontos nas portagens de algumas SCUT – as que servem o interior e o Algarve. A este propósito, e segundo uma notícia divulgada também pela TSF, juntando os resultados estimados para as 7 SCUT, a receita global aumentaria cerca de 22 milhões de euros, sendo que apenas duas das sete autoestradas dariam menos dinheiro do que se os preços ficassem iguais, sem descidas: a A4 (Porto) e a A28 (litoral norte); e essas nem sequer ligam ao Portugal-interior profundo. A agência noticiosa não divulgou qual o valor por km a pagar para conseguir este resultado embora se admita que possa ter sido uma redução de 15% dos atualmente cobrados 9 cêntimos/km.

O Ministério do Planeamento e Infraestruturas confirmou que tinha conhecimento do estudo, não se mostrando surpreendido com as suas conclusões, pois sabe que após a introdução das portagens o tráfego diminuiu de forma significativa naquelas vias, nalgumas chegou quase aos 50% do seu tráfego médio, em particular na A23, que liga Torres Novas à Guarda, e também na A22, que atravessa o Algarve.

Desconfia-se que as conclusões deste estudo tenham estado presentes na recente decisão do executivo do socialista António Costa de baixar já em 1 de agosto pf o valor das portagens das SCUT do interior em cerca de 15%. De acordo com o estudo, os ganhos em receitas com portagens seriam especialmente grandes na A23 (Autoestrada da Beira Interior) e na A22 (Via do Infante, Algarve), aquelas cujas reduções de tráfego sofreram maiores impactos negativos (decréscimos) aquando do fim da gratuitidade das autoestradas, já que, com uma redução de 15%, ambas renderiam individualmente mais de cinco milhões de euros.

O estudo da Infraestruturas de Portugal revela ainda, como já se referiu anteriormente, que apenas a A4 (Grande Porto) e a A28 (Norte Litoral) dariam menos receitas se os preços descessem. Já as autoestradas A25, A24 e A29, as Autoestradas das Beiras Litoral e Alta, da Costa da Prata e do Interior Norte, respetivamente, renderiam mais dinheiro se as suas portagens descessem para valores bem mais reduzidos.

Este aparente milagre nada tem de milagreiro pois que qualquer pessoa que tenha estudado o conceito de elasticidade da procura ensinado nas escolas de economia do país sabe que a curva da procura não é linear e que sempre que ocorre um aumento de preço (ou até da taxa de impostos, por exemplo) os utentes/clientes tendem a fugir deslocando a sua procura, no caso das autoestradas, para as más e perigosas vias alternativas, geralmente estradas nacionais mesmo que estas não estejam preparadas para tanta intensidade de tráfego. É o fenómeno a que assistimos desde a introdução das caríssimas portagens nas ex-SCUT do interior, em particular nas já referidas autoestradas A23, A22 mas também nas autoestradas A24 e A25.

A corroborar o que acabamos de referir está o escrito pela própria agência noticiosa, aquando da divulgação deste estudo, segundo a qual, juntando os valores estimados para as sete autoestradas avaliadas, em todas as hipóteses estudadas, o Estado ficaria a ganhar dinheiro se descesse os preços, mesmo se esta descida chegasse aos 35%. Ora se dessa simulação empírica ou estudo se excluíssem algumas das 7 SCUT que nada têm de interior e se deixassem apenas a A22, a A23, a A24 e a A25, aquelas que mais sofreram com a introdução das portagens e em que não há vias alternativas dignas desse nome para que as pessoas possam escolher, essa margem seria muito maior e estamos convencidos que mesmo com uma redução de 50% para cerca de 4,5 cts/km a receita obtida com a cobrança de portagens seria mais que suficiente para rentabilizar as ex-SCUT em causa e para libertarem o Estado, e logo os contribuintes, do fardo que representa o pagamento de grande parte das verbas que agora tem de destinar a esse fim para compensar as empresas pela fraca procura que essas vias estão a apresentar.

Aliás, o que se fez ao introduzir as portagens em vias que o não previam e em que cerca de 35% são só para custear o sistema de identificação de veículos utilizado, é um crime de lesa-pátria porque lesa os interesses de todos os contribuintes portugueses, lesa o interesse de todos os residentes no interior, lesa todas as empresas aqui instaladas e que abastecem o mercado interno, faz com que as empresas fujam do interior para evitarem esses custos acrescidos, faz as pessoas radicarem-se no litoral em detrimento do interior, reduz a competitividade das empresas, das universidades e dos politécnicos instalados no interior, podendo até comprometer a sua sustentabilidade, favorece as empresas estrangeiras que nos invadem com os seus produtos – contribuindo assim para aumentar o deficit e a dívida públicos -, face às portuguesas aqui instaladas…

Em suma, uma medida de política acertada do atual governo seria acabar de vez com as malfadadas portagens ou, no mínimo, reduzir o seu valor por km para um máximo correspondente a 50% dos atuais valores pagos pelos utentes. Isso sim seria uma medida inteligente que ajudaria o interior do país a combater a progressiva desertificação, o crescente envelhecimento populacional e o crescente esvaziamento de jovens, empresas e empregos do “interland” deste país à beira-mar plantado como dizia o poeta.

Por: José Ramos Pires Manso

* Professor catedrático da UBI e responsável do Observatório para o Desenvolvimento Económico e Social do Interior (ODES)

Sobre o autor

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