Como vários pensadores, escritores e Margarida Rebelo Pinto já explicaram, vivemos tempos que favorecem as novidades ou a qualidade intrínseca de ser “novo”, com clara excepção das candidaturas à Presidência da República.
Em Portugal essa mania segue paralelamente a uma outra de que aqui já dei conta: o desejo incontrolável de possuir uma casa e um carro. Que devem ser novos, independentemente das possibilidades do comprador. É essa fixação que leva os portugueses a preferirem FIAT Punto’s novos a SAAB Cabrio’s velhos, mesmo que hipoteticamente valessem o mesmo dinheiro. No entanto, dada a desgraça que são as nossas estradas e as nossas conduções, sou da opinião que é preferível destruir duzentos FIAT’s a um SAAB. Na realidade, um dos impulsos que sinto quando me aproximo de um FIAT é espatifá-lo com o primeiro objecto suficientemente contundente que encontre. Mas deixemos agora a marca italiana e regressemos ao tema do artigo: automóveis.
Se me preocupa este assunto, é por me sentir vítima da discriminação movida contra os donos de carros com idade suficiente para entrar em discotecas. Ter um carro velho despromove os homens (as mulheres nunca têm carros velhos, se calhar por perceberem mais de símbolos de status do que nós) a desgraçados sem importância, só ultrapassados no vexame rodoviário pelos peões e utilizadores de transportes públicos. E não adianta ter um Rolls Royce ou um Porsche. Um dono de um Citröen de Agosto de 2005 terá em Portugal um “capital automóvel”1 superior a quem possua um Jaguar de 1965.
Volto ao início. O incessante busca do novo caracteriza de forma inequívoca esta fase da modernidade, a que Bauman chamou líquida e um cozinheiro de Freixo de Espada à Cinta denominou gelatinosa, provocando assim um dos mais intensos debates sobre a espessura e a consistência da modernidade, bem como da importância do pau de Cabinda no desempenho político dos governos europeus no pós-guerra. O assunto ficou definitivamente encerrado após um jantar nos arredores da Lourinhã, com entradas de marisco e cabrito com prato principal. Desde esse dia, a modernidade seria descrita como sendo “aproximadamente da textura do molho bechamel, mas com uma coloração mais avermelhada”.
A procura da última novidade, de coisas acabadas de sair da fábrica e sem donos anteriores é transversal a todo o tipo de objectos. Desde livros a telemóveis, ninguém gosta de materiais usados. Não por acaso, um cumprimento comum hoje em dia consiste em dizer “Olá!” e perguntar de seguida “Então, há novidades?” Só no que às pessoas diz respeito, há um certo pudor, até pelo “efeito Casa Pia”, em dizer que se gosta de gente nova. Apesar da crescente lolitização do mundo, a humbertização não criminosa resume-se (felizmente) ao olhar. Todos querem ser, isso sim, “novos” ou “jovens”, nem que sejam de espírito e indumentária. Não me refiro aqui a rapazes e raparigas por estrear, porque é um assunto com ângulos próprios e matizes específicos. No caso concreto, o adjectivo “novo” remete para a idade e não para o estado de conservação de pequenas rugosidades.
Eu gosto de livros usados, carros velhos, casas alugadas e raparigas pós-adolescentes. Podem, além disso, ser todos em segunda-mão. Arrisco mesmo a afirmar que, se o mundo fosse perfeito e a vida ideal, um carro e uma namorada deveriam ter aproximadamente a mesma idade, entre os 20 e os 25 anos.
PS: Lembro-me agora que há uma coisa que eu gostava de receber nova e a estrear, sem batidas anteriores nem páginas vincadas: um país.
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1 Conceito emprestado e adaptado de Pierre Bourdieu, sociólogo esquerdista e falecido, passe as diversas redundâncias.
Por: Nuno Amaral Jerónimo