De Gaulle dizia gostar tanto da Alemanha que até preferia que houvesse duas. Não sei se Adenauer soube da graçola mas, de qualquer maneira, não estava em posição de poder protestar. Quando alguns anos depois, com a Alemanha reunificada, Lubbers, primeiro-ministro holandês, disse em privado coisa parecida já outro galo cantava e Kohl barrou-lhe o caminho para presidente da Comissão Europeia. Em 1989, o annus mirabilis do Papa João Paulo II, Gorbatchov, convencido de que a derrocada do comunismo na Europa de Leste não lesaria a União Soviética que ele queria reformar, negociou com Kohl e apoiou a reunificação alemã.
George H. W. Bush apoiou-a também, por achar que uma Alemanha unida ajudaria a fazer passar a Europa de terra de tensões e conflitos a terra de entendimentos e de paz. Margaret Thatcher (que trazia na carteira um mapa com as fronteiras da Alemanha em 1937 para mostrar em reuniões qual era “o problema alemão”) era radicalmente contra embora o Foreign Office fosse a favor. Entalada entre Washington e os seus próprios serviços a senhora cedeu, a contragosto. Mitterrand, mestre de transições que passara de Vichy para a Resistência sem uma palpitação do coração, como os lagartos quando mudam de pele, tentou manter viva a República Democrática Alemã, com uma visita oficial in extremis a Berlim mas depressa percebeu que não havia nada a fazer e aproveitou o momento para sacar em troca empenho ainda maior de Bona na integração europeia.
Os sustos de Thatcher e de Mitterrand fundamentavam-se na história.
Privada de império colonial que se visse, a Alemanha tentara duas vezes durante o século XX dominar a Europa pela força e das duas vezes o resultado tinha sido uma guerra mundial. As barbaridades que praticara na segunda, a começar pelo Holocausto, estavam ainda vivas nas memórias de muitas pessoas. E, por fim, a unificação alemã do século XIX tinha sido prelúdio das duas tentativas expansionistas do século XX.
Mas Bush tinha mais razão do que os dois europeus: depois da derrota de 1945 a Alemanha metera-se à sua travessia do deserto com o resultado paradoxal de ter ganho, humildemente e a bem, a pré-eminência na Europa que não conseguira antes com arrogância e pela força. E a solução para “o problema alemão” foi encontrada na União Europeia (onde a Alemanha é, ainda hoje, dos países grandes aquele que trata os pequenos com mais decência). Quando o muro de Berlim caiu eu era embaixador na África do Sul.
Num fim de tarde de domingo de Janeiro de 1990 na Cidade do Cabo, ia a chegar à embaixada de Itália que representava a presidência irlandesa da Comunidade Europeia, quando do escuro do jardim rompeu o meu colega alemão que eu não via há tempos, careca louro, grande e nesse dia eufórico. Estendeu-me a mão e anunciou, com os olhos a faiscarem atrás dos óculos: “Apresento-te o embaixador do Quarto Reich!” Demos os dois uma gargalhada e, pese às apreensões de Thatcher e de Mitterrand, o Quarto Reich até agora ficou por aí.
Por: José Cutileiro