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O melhor mau tempo de sempre

Este verão vai ser inesquecível pelos mortos e pela destruição. Mas também lembraremos dele o calor sufocante, durante períodos mais prolongados do que é habitual, o ar sempre demasiado seco, o ter começado antes do tempo e ter terminado demasiado tarde, as barragens a minguarem a olhos vistos, os rios a deixarem de correr, as árvores a secarem de sede e depois a arderem aos milhões.

Ganhámos hábitos, como consultar o fogos.pt, e medos, como o de circular em estradas ladeadas por pinheiros e eucaliptos, e raivas, como a de ver que quem manda continua tão inerte hoje como o era há vinte ou trinta anos. Compreendemos também, cada vez mais, que o fogo é um grande negócio, que as estruturas da proteção civil foram tomadas de assalto por interesses partidários, mas começamos igualmente a perceber que nas universidades, na sociedade civil, há quem estude o assunto e tem ideias que têm de ser ouvidas e seguidas. Ouvimos ainda, na televisão, nas rádios, depoimentos de pessoas atingidas pela desgraça e que têm um discurso cada vez mais informado, pensado, digno, que foge à facilidade das teorias da conspiração e que sabe manter o pudor perante a devassa das câmaras de televisão ou dos microfones dos jornalistas.

Não sei qual a solução para o problema dos incêndios florestais. O governo também não, pelos vistos, tal como, pelo menos, todos os governos dos últimos quarenta anos. O mesmo se diga da oposição, que fez igualmente triste figura quando podia ter feito a diferença. Podemos mesmo assim aprender todos alguma coisa, a começar pelos políticos em geral e por este governo em particular. Antes de mais, a constatação de que o clima mudou e que essa constatação tem de se ver refletida nas opções políticas e técnicas. O verão é mais longo e mais seco e cada ano parece mais quente que o anterior – e isso não se compadece com a rigidez das fases “Alpha”, “Bravo” ou “Charlie” de alerta contra os incêndios.

Outra evidência é que não podemos manter abandonadas matas e florestas. Muitos proprietários nem sabem onde ficam os terrenos que herdaram; muitos outros nem querem saber. É igualmente evidente que as chefias de órgãos tão importantes como a Proteção Civil têm de deixar de ser prémios de militância partidária e passar a ser cargos atribuídos por concurso. Não sei se sabem, mas quanto mais tempo alguém competente desempenhar uma função, tanto melhor o vai fazer.

A chuva não pode ser a única solução para este problema, como não podem ser solução os fatores que não controlamos. Se fosse assim, a única coisa a fazer seria deixar arder, e rezar. A inteligência é também a capacidade de se adaptar a variações nas circunstâncias e fazer o que tem de ser feito, à luz do melhor conhecimento disponível. Por isso, quando na semana passada começou a chover, quando aumentou a humidade do ar e arrefeceu todos sentimos um enorme alívio – e isso não é bom.

Por: António Ferreira

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