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O medo nos CHUC

Falo por ti, minha amiga Lina, que conheces o Hospital há mais tempo que eu. Falo por ti Manuela, que tens limpo os espaços de trabalho e tens trazido a marmita diariamente. Falo por ti Carlos, que nunca fizeste compras maiores que o teu salário e com dificuldade consegues gasolina para vir todos os dias aos Covões. Também falo de ti Josefa, que te escondes do trabalho e de ti que nunca sabes e nunca queres aprender.

Falo porque sinto o medo que transversalmente vos afoga. O medo de não saber nada do futuro e a certeza que as decisões são feitas sem vos ter em conta. Há um receio que atinge os bons, os imprescindíveis e os maus. O medo como um perfume que nos tolhe a todos e sobretudo a vós, a quem os doutores desconhecem o nome, a vós a quem “os grandes” nunca nomearam além de “olhe”, “chegue aqui”. Falo do medo do futuro, da insegurança sobre o futuro, da subserviência que o medo incute, do silêncio cúmplice que vem do receio. Assim, com as palavras “crise” e “troika”, chegaram cortes a quem não roubou, não se endividou mais do que os bancos lhes ofereceram, a quem geriu de modo cauteloso o pouco que sempre lhe deram por salário. Sim, que a Gina trabalhava em três empregos para fazer mil euros. E com isto educou a filha, e com isto foi pagando a casa que o banco financiou.

A Manuela trabalhava dia e noite, sem domingos, sem feriados. Agora os empregos duplos escasseiam. O medo invadiu os empresários, as firmas vão fechando e a falta de compradores foi tapando as escotilhas e o ar não vem. Mas a Manuela tem dívidas que agora não tem como pagar. De todas foi a primeira a descobrir a insolvência. Agora tem medo da fome. Tem medo da rua. Tem medo do futuro dos filhos. E que sabe ela deste Hospital imenso que se constrói num silêncio desastroso? Nada! As trabalhadoras simples estão assustadas e deste modo vemos um mundo antigo que regressa. Vemos uma nuvem escura que nos cobre. Falo por ti Rosário, que nunca viste um contrato sólido e aguardas a cada minuto um pontapé. Falo de ti Carlos, que sorris quando te dão mais três meses ou te enfiam num jardim. O medo é a glória desta forma de mandar. Assim apoucam, mirram e sucumbem a revolta. Enquanto há esperança num lugar, enquanto há um lugar obscuro onde possam cair, a Gina, a Manuela, o Carlos, o Fernando, a Paula, a Bina optam pelo silêncio. Preferem receber menos, trabalhar mais, mas sonhar que aquele pouco vem. Sonho de gente honesta e simples.

Falo revoltado em seu nome. Falo indignado em sua defesa. Falo porque me preenche a alma este choro morrente que sussurra em cada lugar que vou, em cada espaço que percorro. Caminhamos para a parede onde acossado o gato contra-ataca. E não se podiam definir os caminhos? Não se podiam esclarecer os objetivos e perceber que é com gente que se faz Portugal e com menos tecnologia e menos escolhas que desempregam e pisam? Poupem nas construções e nas manutenções, poupem nos medicamentos, poupem nos salários exorbitantes (há médicos a auferir mais de 15.000 euros em função pública e em exclusividade), poupem em exames desnecessários, poupem em transportes, mas empreguem, ensinem gente simples, ofereçam-lhes tarefas e não digam que salários de 450 euros mataram Portugal ou os CHUC.

Por: Diogo Cabrita

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