«É preciso que o país da realidade, o país dos casais, das aldeias, das vilas, das cidades, das províncias, acabe com o país nominal, inventado nas secretarias, nos quartéis, nos clubes, nos jornais, e constituído pelas diversas camadas do funcionalismo que quer e há-de ser» (Alexandre Herculano, na Carta aos Eleitores do Concelho de Sintra, de 1858).
O poder é um calvário. E é simultaneamente uma sedução. Tanto para aqueles que lhe imaginam as delícias, como para os que já lhe sofreram os espinhos. Existe, pois, no bicho-homem seja o que for que o leva a pagar sem regateio o que o poder exige de quem o serve. Mesmo nos momentos em que a fé e as energias se esgotaram, mesmo quando o jugo das responsabilidades e o cárcere das aparências se tornam insuportáveis e tudo em nós grita por libertação, mesmo quando outro já espera nas antecâmaras da cobiça a oportunidade de nos render. Nem assim o homem do “poder”, que lhe bebeu a cicuta (esta é muito óbvia) e lhe sofreu a tirania, acredita que chegou a hora do regresso a um viver normal. Ele, apesar da consciência dividida, ainda está pronto a imolar-se para além dos fisiológicos limites da resistência física e moral.
Porque somos uma região de emigrantes e paradoxalmente têm IMI-grandes, vamo-nos entretendo com um onanismo de Bacalhau, vulgo salada de Bacalhau, que desde o Zambito à Maúnça pouco mais há para discutir! Como estou entretido e lambuzado com bacalhau fininho, cebola, alho, colorau e azeite, fico-me enchendo o texto com palavras de outros, para dizer o que se me vai ocorrendo no pensar!
«Era uma vez um surdo completamente surdo, um paralítico completamente paralítico e um calvo completamente calvo. Viviam juntos e de tanto se aborrecerem decidiram partir. A fim de alcançarem o ponto mais distante do mundo puseram-se a caminho a pé, ou seja: o paralítico ia deitado numa maca, porque era tão completamente paralítico que nem sequer se podia sentar, e o calvo e o surdo transportavam a maca. O surdo ia à frente.
A certa altura da viagem foi preciso atravessar uma floresta. Quanto mais os três homens penetravam nela mais o mato era denso e a folhagem cerrada: Por causa disso e do anoitecer, escurecia.
Iam a meio de uma clareira quando o surdo disse: “Poisa a maca”. E deixou de andar, o que obrigou o calvo a parar também. O calvo e o surdo puseram a maca no chão.
E o surdo disse assim: “Esta floresta está cheia de assassinos e malandros. Há já um bom bocado que oiço o restolhado deles”. O calvo respondeu: “Estou em crer nisso, porque sinto que os cabelos se me estão a pôr em pé”. Então o calvo e o surdo desataram a correr, seguindo o trilho que tinham aberto no mato. O paralítico ficou sozinho na clareira. E ele pensou: “Não gosto de estar nesta floresta. Parece-me que vou mas é fugir daqui” (“Directa”, de Nuno Bragança).
Por: Fernando Pereira