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O livro inadaptável que deu um filme de culto

“O Festim Nu”, de Cronemberg, e uma conferência encerram ciclo dedicado pela Mediateca da Guarda à relação entre literatura e cinema

O ciclo “Do Livro para o Filme: Afinidades entre Literatura e Cinema”, promovido pela Mediateca VIII Centenário da Guarda, está a chegar ao fim. Esta noite um dos trabalhos mais controversos e bizarros de David Cronemberg, “O Festim Nu”, encerra o capítulo das exibições que ilustraram a ligação histórica entre estas duas expressões artísticas distintas, mas tão próximas. Amanhã é tempo de recapitular e contextualizar as simbioses possíveis numa conferência com Clara Ferreira Alves, Fernando Lopes e Vasco Câmara.

“O Festim Nu”, realizado em 1991, é uma adaptação alucinante de “Naked Lunch”, de William S. Burroughs. Considerado inadaptável ao cinema, o livro acabou por gerar um filme tão perturbante quanto o universo da “beat generation”, onde a realidade se confunde com alucinações e ambientes surreais de droga, homossexualidade e depravação. Contudo, o realizador tem insistido em várias entrevistas que os espectadores não podem esperar “ver” o livro de Burroughs, recomendando mesmo que a melhor forma de perceber o filme é não se saber nada sobre a obra do escritor. Um paradoxo que o professor Fernando Marques vai comentar nesta sessão. “O Festim Nu” conta a história fantasmagórica de William Lee, ex-toxicodependente reconvertido em exterminador de baratas, cuja vida muda radicalmente quando a sua mulher se vicia no pó insecticida que ele utiliza na desparasitação. Uma narrativa quase autobiográfica do percurso polémico de William Burroughs que inspirou David Cronemberg na criação de uma obra mutante e um excelente exemplo do relacionamento de complementaridade e estímulo entre a literatura e o cinema.

Uma relação que a Mediateca VIII Centenário tentou demonstrar com filmes de vários períodos do cinema. Do pós-mudo ao contemporâneo, de terror, “thriller”, expressionista ou drama, passaram pela sala da Fonoteca obras marcantes como “O Processo”, de Orson Welles, baseado no romance homónimo de Kafka; “Psicopata Americano”, de Marry Harron, a partir do livro de Brett Easton Ellis e “Dracula”, na versão Tod Browning da obra de Bram Stocker. “Uma Abelha na Chuva”, a leitura cinematográfica do realizador português Fernando Lopes do romance de Carlos de Oliveira, e o shakespeariano “Macbeth”, de Orson Welles, completaram o cartaz deste ciclo. A iniciativa termina amanhã à noite com a conferência “Cinema e Literatura: As Simbioses Possíveis”. O objectivo é debater e reflectir as relações mútuas entre a literatura e o cinema, nas suas distintas perspectivas e pontos de vista. Clara Ferreira Alves (jornalista do “Expresso” e escritora), Fernando Lopes (realizador) e Vasco Câmara (crítico de cinema do “Público”) são os convidados. Patente na biblioteca municipal até ao final do mês continua a exposição “O Cinema Escrito”.

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