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O léxico recuperado da ocupação do Iraque

Theatrum Mundi

A guerra contra o Iraque, e a ocupação do país pelas tropas americanas e britânicas que se lhe seguiu, marcaram a agenda política internacional durante todo o ano de 2003. Em meu entender, estes factos trouxeram uma reflexão aprofundada acerca do exercício do poder internacional e uma consciência aguda relativamente aos motivos do poder que promete deixar rasto. Assim, vale a pena revisitar o léxico que tem acompanhado as diferentes análises destes factos. Em última análise, a guerra e a ocupação do Iraque pelas tropas americanas e britânicas tem provocado uma discussão acesa em torno da legitimidade de processos internacionais que frequentemente conflituam uns com os outros.

A utilização da força e o papel da ONU. Esta é a questão de saber qual a instância em que deve ser decidido o recurso à guerra contra um determinado estado. Deve o conflito militar poder ser utilizado, de forma soberana, por qualquer estado em defesa dos seus interesses ou deve primar o princípio da defesa colectiva recolhido na Carta da ONU?

Unilateralismo e multilateralismo. Esta é a polémica relativa a saber quais as estratégias que permitem aos estados maximizar os seus interesses. A via multilateral é aquela que privilegia a acção colectiva através das instituições internacionais e em que os estados se encontram em plano de igualdade; a via unilateral é aquela que privilegia a acção individual, designadamente em questões cruciais para a sobrevivência nacional, e que reflecte a desconfiança na capacidade dos mecanismos colectivos para defender os interesses legítimos de estados específicos. A justificação americana para a guerra contra o Iraque assentou amplamente neste argumento.

Estados pouco confiáveis, estados-pária e rogue states. Esta é a polémica relativa ao comportamento de certos estados que põem em causa a rede de princípios e normas do direito internacional e que desafiam a ordem internacional. A presente administração americana deu uma actualidade renovada a estas categorias ao incluir o Iraque, o Irão, a Síria, o Sudão e a Coreia do Norte naquilo a que chamou de eixo do mal—axis of evil—e que considerou responsável pela conjugação maléfica de armas nucleares, antiamericanismo e ligações a redes terroristas. O paradoxo é que na sequência da operação contra o Iraque e devido às suas atitudes unilaterais, muitos passaram a considerar os próprios Estados Unidos como um estado-pária, pouco confiável e desafiador da ordem internacional.

Hegemonia benigna e império. Esta é a polémica relativa ao papel dos Estados Unidos na construção da ordem internacional. A operação contra o Iraque e as ameaças constantes aos países incluídos no eixo do mal reflectem a liderança americana na promoção universal de valores como a democracia e o desenvolvimento ou são, pelo contrário, instrumentos da promoção dos interesses geopolíticos e económicos da sociedade americana que exigem o tecer de laços globais de dependência mais ou menos informais?

Balança de poderes. Esta é a polémica relativa ao alinhamento das principais potências a propósito das questões que fracturam a sociedade internacional. Tendo sido um instrumento privilegiado na análise do enfrentamento entre blocos durante a guerra fria, ressurgiu de repente a propósito da guerra contra o Iraque quando alguns procuraram ver nas atitudes antiguerra da Alemanha, França e Rússia uma concertação de interesses destinada a contrabalançar o poderio anglo-americano.

Por: Marcos Farias Ferreira

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