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O Lamento do Reformado Norueguês

A francesa Jeanne Calment morreu em 1997, com 122 anos. Durante mais de nove anos foi a pessoa mais velha do mundo. Era fumadora, o que torna a sua longevidade ainda mais admirável. Houve e há muitos outros, por todo o mundo, que passam facilmente os cem anos. Há muitíssimos mais que chegam aos noventa e são incontáveis os que vivem pelo menos oitenta anos. Temos que reconsiderar o que consideramos “velhice”. A higiene, os cuidados médicos, a informação sobre nutrição e saúde generalizaram-se. A esperança média de vida à nascença subiu já, em Portugal, para 78 anos para os homens e mais de 80 para as mulheres. À nascença. Por isso, ao terem de se descontar as mortes prematuras, é obrigatório contar com uma longevidade alargada dos mais velhos. Quando alguém atinge com saúde os 65 anos, tem legitimidade para esperar viver pelo menos mais vinte anos, e com qualidade. A estatística diz-nos precisamente isso e os efeitos estão à vista: há cada vez mais pessoas a viverem muitos anos na condição de reformadas, muitas mais do que o sistema da Segurança Social previa e muitas mais do que aquelas a quem pode pagar reformas.

Fala-se, e bem, das legítimas expectativas dos que descontaram durante décadas para a reforma, convencidos de que se descontassem durante os anos que estavam previstos iriam receber determinada pensão. Essa questão, da expectativa legítima em receber de acordo com regras anteriormente fixadas, tem de ser resolvida de acordo com o princípio da confiança: se eu soubesse que me iriam diminuir a reforma, teria descontado mais, ou trabalhado mais tempo; não me mudem as regras do jogo agora que me reformei e nada posso fazer para corrigir a situação.

Há que falar também da legitimidade estritamente financeira das expectativas criadas. Se eu trabalho durante quarenta anos e desconto para a minha reforma (mas também para as doenças, o abono de família, os eventuais desempregos), juntamente com o meu patrão, um terço do meu ordenado, terei descontado ao fim de quarenta anos o suficiente para pouco mais de treze anos de reforma (40 a dividir por três). Assim, se nunca tiver tido uma baixa, se nunca tiver ficado desempregado e se fizer o favor ao Estado de morrer pelos meus 78 anos, o meu saldo com a Segurança Social será de zero.

Mas, dirão, o dinheiro dos meus descontos tem de ter algum rendimento. Sim, claro, e muitas vezes esse rendimento é negativo. A Segurança Social investe o dinheiro que recebe, e muitas vezes não o investe bem. Por vezes avança com investimentos mais especulativos, por exemplo em dívida pública grega, ou portuguesa. Os gregos, já se sabe, não pagam o que devem. Os portugueses, se os deixassem, seguiam o mesmo caminho. Na Noruega a esperança de vida à nascença é superior à dos portugueses (mas não se divertem tanto), mas a expectativa realizável de receber a reforma durante todos esses anos está comprometida se ao Sul não pagarem. A esquerda portuguesa continua a sugerir o perdão da dívida pública, em benefício dos portugueses e em prejuízo dos outros. O saldo contabilístico poderá ficar positivo em seu valor. E o saldo ético?

Por: António Ferreira

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