Arquivo

O Jarmelo

Um reino de carvalhos, silvados, ervas e uma rede de muros ruídos testemunha o passado histórico da antiga “Vila do Jarmelo” terra natal de Diogo Lopes Pacheco assassino de Inês de Castro, amaldiçoada e mandada arrasar por D. Pedro I. A sombra da maldição passou de geração em geração, como se de uma herança se tratasse, associando sempre os amores do rei justiceiro com aquela que foi “raínha depois de morta” e que, na vila hoje arruinada, tiveram ligações ás gentes da terra.

Jarmelo situa-se a escassos 12 quilómetros da Guarda, ocupando duas colinas gémeas (germelas) donde se avistam terras de Espanha e serras de Portugal, mais parecendo um eixo de comunicações entre as fortelazas medievais circundantes: Guarda, Castelo Mendo, Castelo Bom, Almeida, Celorico da Beira, Pinhel, Marialva, Trancoso, Castelo Rodrigo, Longroiva, Meda, Vilar Maior, Afaiates ou Sabugal.

A sua posição estratégica, situada num plano mais elevado numa área pedregosa e de transição para a meseta ibérica, permite-lhe que aviste e seja avistada desde longe, a léguas de distância. A fortaleza teve origem presumivelmente num castro lusitano, posteriormente ocupado pelos romanos e outros povos, de que perduram vestígios vários – calçadas, cerâmicas, fontes de mergulho, muros, ruínas, lendas. A povoação era cercada por uma muralha agora reduzida a escombros, mas onde se notam perfeitamente alguns percursos com escadaria e “passeio da ronda”, as “portas de carro”, as calçadas e o recinto da feira.

D. Afonso Henriques concedeu-lhe carta de Foral e institui um concelho suprimido em 1885, por ocasião da reforma administrativa do reino, mas o declínio da vila remonta ao tempo de rei D. Pedro I que a mandou ” salgar aos quatro cantos” para que jamais fosse povoada.

O Jarmelo, mais precisamente a Quinta do Silva, era a terra natal de Diogo Lopes Pacheco, conselheiro do rei, que por estas paragens se refugiava longos períodos, longe das intrigas da corte… dedicava-se ao seu desporto favorito – a caça – e aos deleites do amor por Inês de Castro, fidalga que, reza a tradição, terá passado pela vila do Jarmelo quando do cortejo que desde Castela acompanhou D. Constança, casada com o então futuro rei D. Pedro e que conquistou o coração do monarca, que com ela viveu um amor que ultrapassou as fronteiras do reino de Portugal e é ainda hoje uma das mais belas história de amor do mundo.

Então a povoação pupulava de gente que se dedicava à agricultura, à pastorícia, exploração de minerais e mesteres, acompanhando ainda o príncipe nas diversões cinegéticas e festivais que o caracterizavam.

A morte de Inês de Castro, na Quinta das Lágrimas, em Coimbra, veio modificar a vida do povoado fortificado e ditar-lhe a condenação mortal, como aconteceu a Pêro Coelho, outro dos inculpado na morte de Inês, a quem foi arrancado o coração em 18 de janeiro de 1357, em Santarém. Arrasada a vila, os seus habitantes dispersaram-se em redor do velho reduto amuralhado, vindo a criar 22 novas povoações, algumas das quais hoje freguesias do concelho da Guarda, mas quase desertas.

As guerras que Portugal manteve com Castela, no reinado de D. Fernando, determinaram a reconstrução das muralhas jarmelistas que aguentaram o ímpeto dos ataques inimigos na crise de 1383/85. D. Manuel I concedeu novo Foral a Jarmelo em 01 de Junho de 1510, passado em Santarém, curiosamente e respeitando a tradição, cidade onde foi ditada a “sentença de morte” à vila do Jarmelo, que então tinha quatro freguesias :Santa Maria, Nossa Senhora da Conceição, Sáo Miguel e São Pedro.

A memória de Inês de castro perdura na mente dos habitantes da região com carinho, de tal forma que a “pedra de montar” onde a infanta subia para o cavalo, ainda permanece num recanto próximo da praça principal e que, de novo a tradição, vencia uma “tença” (imposto, pensão dada como remuneração de serviços), testemunhada na quadra :” Adeus Vila do Jarmelo/ Adeus Pedra de Montar/Enquanto o Mundo for Mundo/ Dinheiro Hás-de ganhar”.

A maldição do Jarmelo cumpriu-se: ninguém vive na vila, reduzida a escombros e até a casa de Diogo Lopes Pacheco ruiu em 1993, em dia de trovoada.

Por: José Domingos *

* Jornalista, Delegado da Agência Lusa na Guarda

Sobre o autor

Leave a Reply