O naufrágio da Direita durante a discussão do programa do governo PàF, nos passados dias 9 e 10, esteve cheio de sofismas e inconseguimentos, o que mais não é que o resultado da convergência da Direita mas também do seu trágico isolamento. Assim, toda a estratégia política de marca PàF circula hoje à volta de uma leitura desesperada e contrária à Constituição dos resultados das eleições legislativas de 4 de outubro: “quem tem mais um voto tem direito a governar, independentemente da vontade expressa no Parlamento eleito”. Após quatro anos de programa político austeritário, já não existe PSD nem CDS, mas PàF. PàF é hoje o espaço político convergente de realização de um programa coeso e de ocupação do poder em nome dele. Mas para sobreviver necessita, como de pão para a boca, de uma integração completa das esquerdas que deixe livre o centro político. Daí a insistência na legitimidade única das coligações pré-eleitorais, facto sem nenhuma base constitucional. Daí a tentativa de descredibilizar o programa de governo do PS questionando a sua adesão aos compromissos internacionais.
Ou seja, aquilo que resulta da estratégia convergente da Direita portuguesa chama-se bipolarismo ou bipartidarismo, a transformação do campo partidário na competição eleitoral entre duas únicas forças, uma à esquerda outra à direita. Ao forçar o deslocamento do PS para a esquerda – têm sido inúmeras as declarações que criticam o PS pela sua radicalização e afastamento do centro político e põem em causa o seu europeísmo – a PàF procura posicionar-se favoravelmente junto do centro político, que é onde se têm vencido todas as eleições em Portugal. Aliás, o facto do PSD/CDS se verem hoje na contingência de não conseguirem governar (apesar de terem obtido mais votos a 4 de outubro) é bem significativo do seu encostamento à direita e autismo crescente nos últimos quatro anos. Só num cenário político bipartidário teriam sentido as reivindicações de Passos Coelho de que os resultados das eleições foram claríssimos e de que ganhou as eleições. Mas a contabilidade dos votos só ganha significado no contexto de regras e normas que constituem o sistema político como um todo, o que torna a retórica do “mas-fomos-nós-quem-ganhou-as-eleições” especialmente autista.
Sejamos claros, a questão civilizacional crucial na democracia não é quem ganha ou quem perde mas quem governa; e governam as maiorias sem aniquilar as minorias (o exercício de Telmo Correio no Parlamento foi patético ao recorrer aos jornais para identificar quem ganhou e quem perdeu). O calor da disputa partidária pode toldar o entendimento mas esta é a referência central numa democracia representativa. A ausência de maiorias inequívocas torna a discussão e o diálogo indispensáveis, e aí a capacidade de gerar consensos faz toda a diferença. Ao contrário do que vociferou ainda Telmo Correia no dia 9, os governos minoritários no passado não tiveram garantido o direito de governar; conquistaram-no no Parlamento pela capacidade de dialogar e criar consensos. Enfrentemos os factos; um dos resultados mais trágicos destes quatro anos foi o crescente autismo da Direita e o seu inconseguimento político. Foi esse autismo que tornou possível, e urgente, a aproximação das esquerdas.
Por: Marcos Farias Ferreira