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O grande agitador

Afinal de contas, quem são os grandes agitadores sociais? Os nossos sindicalistas ao estilo Mário Nogueira e Ana Avoila, ou os governantes à maneira de Passos Coelho? Quem verdadeiramente desestabiliza são os que se batem pela contratação coletiva ou os que legislam de forma a torná-la ineficaz e desinteressante?

Luís Gonçalves da Silva, jurista, em entrevista ao “Público” de ontem veio dizer que, se a contratação coletiva desaparecesse, “perder-se-ia um instrumento que teve séculos de luta para ser conquistado, que permite a adoção de medidas concretas à medida do empregador e dos trabalhadores”. Ou seja, a contratação coletiva já não é um valor só da esquerda, dos que confiavam nos movimentos solidários, dos que tinham fé em que a militância por causas haveria de atenuar desigualdades. Hoje é defendida, não como forma de agitação e progresso, de “pedir o impossível” saído do Maio de 68, mas como um fim para manter a coesão e a paz social, dar alguma previsibilidade à vida de quem contrata e é contratado e permitir estabilidade à sociedade. Como vão longe as chamadas “conquistas de Abril” exigidas e concedidas a cada renegociação.

Especialista na matéria (doutorou-se com uma tese sobre contratação) o professor da faculdade de Direito da Universidade de Lisboa vem dizer que haverá “85 a 90 convenções novas por ano” e que não conhece “nenhum país, daqueles com que nos comparamos, que tenha algo de parecido. Não estamos na fase da agonia, já estamos na fase do funeral da contratação coletiva”. E, atenção, “a contratação coletiva é um importante contributo para a paz laboral (…) e se desaparece a conflitualidade vai aumentar”.

É a desregulação a conquistar terreno. Com a vida cada vez mais difícil para a atividade sindical, numa época em que o coletivo esmorece (no domínio da política, sindical ou cultural) e o individualismo prospera, em que a defesa dos sonhos de futuro é sacrificada à salvaguarda do que já se tem, o Governo aposta no enfraquecimento dos sindicatos, pouco preocupado se está a destruir interlocutores que vão fazer falta aos executivos que se vão seguir. As dificuldades que está a criar – basta perceber o alerta de Luís Gonçalves da Silva – não é à esquerda, mas à sociedade moderna: “O problema central é revitalizar um associativismo sindical pujante que, ao contrário do que se passa, é muito importante para a democracia”, defende o jurista que representava o PSD no anterior conselho regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

É sabido que a contratação permitiu institucionalizar e controlar os conflitos sociais e que a pulverização dos grandes contratos em pequenos acordos veio radicalizar lutas, conflitos e agitação. Os setores de ponta determinantes para o funcionamento da sociedade ganharam poder (controladores aéreos, pilotos da aviação civil, maquinistas, etc.) ao criarem sindicatos mais pequenos. É óbvio que haveria menos greves se os controladores e o pessoal de terra dos aeroportos estivessem juntos, se pilotos e tripulantes partilhassem um só sindicato ou se os maquinistas estivessem ligados aos demais ferroviários.

O governo, as associações patronais e a Concertação Social têm um papel a desempenhar: valorizar a negociação. Os sindicatos têm outro: perceberem que os tempos mudaram, que os movimentos coletivos e a solidariedade pouco ou nada mobilizam e que radicalizar conflitos dá tempo de antena nos telejornais, mas não resolve problemas.

Se tudo continuar na mesma, enquanto uns setores – pequenos, mas em posições chave – ganham capacidade reivindicativa, outros acumulam frustrações. Isto não vai no bom caminho.

Por: João Garcia

*Diretor-adjunto Expresso

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