Arquivo

O gongorismo arrogante

Crónica Política

Muito do discurso hermético, com a capa de científico, procura iludir os vários problemas sociais. Isso mesmo acontece, em particular, com a denominada institucionalização de crianças e jovens. Do que se conhece, e é pouco, sobre a institucionalização passou-se de último recurso para o único recurso. Foram, recentemente, aprovadas alterações significativas ao sistema de proteção de crianças e jovens. Em caso de incapacidade da família restrita ou alargada para se responsabilizar por uma criança, a prioridade, sobretudo nos mais novos, será a colocação em acolhimento familiar. Evitar-se-á, tanto quanto possível, a institucionalização. Resta saber se na prática tal se verificará. Ou se não estaremos, mais uma vez, na presença de uma medida não do interesse da criança e do jovem mas, meramente, economicista. Em Portugal verifica-se um dos mais elevados índices europeus de institucionalização. No mesmo sentido Portugal tem um dos mais baixos valores no que respeita a colocação de crianças em acolhimento familiar, 5 % face aos 30% verificados em Espanha ou 66% em França. No Reino Unido a taxa de acolhimento familiar é ainda mais elevada, 77%, mas este indicador, do meu ponto de vista, deverá ser analisado à luz de algumas particularidades que estes processos apresentam e que têm sido objeto de algumas reservas. Apesar da evolução que se tem constatado, continuamos com uma elevada quantidade de crianças institucionalizadas, muitas das quais sem projetos de vida viáveis pese o empenho dos técnicos. Seria desejável que se conseguisse até ao limite promover a sua desinstitucionalização por múltiplas e bem diversificadas razões. Recordo um estudo da Universidade do Minho mostrando que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afetivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento das crianças e no seu comportamento. A conclusão questiona as condições de vida institucional e aponta no sentido da adoção ou outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afetiva das crianças e jovens. Além disso, sabemos todos, que existem contextos familiares que por razões de ordem variada não devem ter crianças no seu seio, devido principalmente a situações de maus tratos que, não são apenas físicos, mas psicológicos, por negligência e por omissão. Pelo supremo interesse da criança há que tratar o tema com mais e melhor atenção, para que a família – parte do problema – passe agora a ser equacionada como parte da solução.

Por: Jorge Noutel

Sobre o autor

Leave a Reply