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O geriatra mor já nasceu

Sinais do Tempo

Estava eu convencido que a nossa existência, enquanto homem moderno, tinha 200 mil anos quando, subitamente, um grupo de investigadores descobriu em Marrocos um crânio e uma mandíbula que terá vivido há cerca de 300 mil anos, identificado como pertencendo ao Homo Sapiens e noticiado na conceituada “Nature” de 7 de junho. Ao todo encontraram mais de vinte ossos, pertencentes a cinco indivíduos.

Nós, humildes humanos, agora com uma esperança de vida média de 80 anos em Portugal, resistimos, desenvolvemo-nos, modificámo-nos, evoluímos, crescemos e superamo-nos há 300 mil anos. É obra.

Contudo, esta descoberta não se limita a somar anos á existência humana, levanta ainda a questão do berço, até agora referenciado à África Oriental. Contudo, Jebel Irhoud fica no Norte de África. Por agora mantém-se a origem, acreditando-se na capacidade de dispersão por todo o continente africano, antes de rumarem a outros continentes.

Antecipando a pergunta dos céticos que, por defeito ou virtude, tudo questionam, informo que o Sr. Hublin iniciou as escavações nos anos 90 mas só as retomou já neste século e que as técnicas usadas para datar o crânio e a mandíbula passam pela espectroscopia de ressonância paramagnética eletrónica. Com esta sequência de denominações complexas ninguém duvida da sua eficácia e veracidade. Este crânio, embora parecido com o do homem moderno, parece ser mais próximo do melão do que da melancia. A morfologia não o torna mais bonito ou mais feio porque, simplesmente, um crânio é um crânio, mas relaciona-se com o desenvolvimento do cerebelo, que faz de nós bípedes equilibrados, salvo honrosas exceções.

Mas outra pergunta pertinente seria o que andavam a fazer estas almas no meio do nada? Ter-se-iam zangado com os progenitores? Ou perderam- se quando perseguiam o alimento? Seriam de que sexo? Como se terão deslocado do oriente para o norte ocidental?

Outro assunto que nos leva a refletir sobre a humanidade é a afirmação de que o homem (ou a mulher) que vai viver até aos 150 anos já nasceu. Ele pode ter nascido, mas ainda não sabemos quem é e, claro, dificilmente algum dos que me leem irão saber. Mas será que queremos viver tanto tempo? A evolução farmacológica, os transplantes, os implantes, a manipulação genética, a medicina regenerativa, os “devices” e outras técnicas que o homem, na sua busca incessante, vai descobrir, adicionarão anos à vida ou retardarão apenas a morte?

Viver mais anos ou viver com qualidade, este é o dilema.

Atualmente uma elevada percentagem de portugueses chega aos 60 anos hipertenso ou diabético ou bronquítico e entretanto já sofreu um enfarte do miocárdio ou um acidente vascular cerebral, ou está na eminência de lhe ser diagnosticado um cancro, que mesmo não fatal, vai reescrever a história da sua vida e da família. Pouco adiantará perseguirmos metas de longevidade se a ela não se associar uma real qualidade de vida ou independência. Há países ou regiões onde a esperança média de vida é de 90 anos e há estudos a revelar que um terço das crianças agora nascidas podem chegar aos 100 anos.

Aposta-se muito na medicina regenerativa e na manipulação celular, ou como lhe chamam agora a reprogramação. Estas técnicas fantásticas permitem alterar o ambiente celular, modificando o curso da degeneração ou mesmo a partir de células com função diferente mas existente no mesmo órgão, modificar os códigos celulares e dar-lhe nova função, substituindo as que por motivos diversos deixaram de funcionar. Poderíamos falar ainda do homem biónico, carregado de maquinaria implantada interna ou externamente.

A verdade é que muito do que nos pode fazer viver mais anos já existe e abandonou as séries de ficção de sábado à noite. Mas várias questões têm que ser respondidas, nomeadamente a socioeconómica e a sustentabilidade. Até que idade se vai trabalhar, qual o real valor do trabalho do idoso, quantas horas por dia, qual a oferta de trabalho para os netos bisnetos e trinetos? Como se equilibra esta sociedade? Quem paga estes custos de saúde?

Aproveitando a boleia destes estudos ressurgem das cinzas figuras como Isaltino Morais e Valentim Loureiro, que julgávamos há muito sentados no sofá, de chinelos e roupão, a empestar o ambiente com o cheiro de um Habano. Eles acreditam de novo numa oportunidade de regressar à ribalta e à liderança. São homens de fibra, que não desistem, mesmo numa época em que todos os eleitores já têm TV, micro-ondas ou frigorífico. Na verdade algumas cabeças são mais obtusas do que outras, ou seja, têm menos ou mais cerebelo, ou seja, nem todas têm o mesmo equilíbrio ou “coluna vertebral”.

Em suma, a longevidade não é tudo.

Por: João Santiago Correia

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