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O FMI bonzinho

A UE acabou de criar, na prática, um FMI para a zona euro. Depois da diabolização e desinformação sobre o FMI original, temos agora um FMI europeu no centro da Europa e, por arrastamento, no centro da política portuguesa. Ora, antes de olharmos para este FMI azulinho e bonzinho, convém olhar um pouquinho para a lógica do FMI original. É preciso desintoxicar, é preciso abater os mitos que ainda hoje existem sobre o FMI. Sem esta desintoxicação inicial, o tal FMI europeu nunca será compreendido.

O Fundo surgiu em 1944/45 no famoso acordo de Bretton-Woods. No rescaldo da II Guerra, americanos e europeus conceberam uma ordem mundial com capacidade para evitar os dois problemas económicos que agitaram os nacionalismos étnicos e culturais durante os anos 20 e 30, a saber: o proteccionismo comercial e a instabilidade financeira. Imaginem uma Europa onde a crise grega é uma constante durante uma década. E depois imaginem que os líderes dessa Europa têm de lidar com povos imersos em nacionalismo agressivo. Ou seja, imaginem que a extrema-direita e a extrema-esquerda não são as franjas mas sim a corrente central desses países. Já imaginaram? Então, têm aí a antecâmara da II Guerra Mundial. Para evitar a repetição deste cenário, os líderes ocidentais criaram o GATT e o FMI. O primeiro tinha como meta o combate ao proteccionismo, e segundo tinha como objectivo a anulação da instabilidade financeira e das guerras monetárias entre países. Como banco de todos os Estados (uma novidade histórica absoluta), o FMI funcionaria assim como a rede de segurança de qualquer Estado em dificuldades. “Nenhum Estado voltaria a ficar sozinho”, era a mensagem.

O mundo precisou de uma Guerra Mundial para fazer o FMI. A Europa precisou da crise do euro para fazer o seu FMI europeu, que vai ter a mesma função do FMI original. Este FMI bonzinho vai fazer empréstimos, à semelhança do outro, e vai funcionar como o elemento que garantirá o seguinte aos Estados em dificuldade: “não, não estão sozinhos”. E agora pergunto: valeu a pena a diabolização do FMI levado a cabo durante o último ano? O FMI original safou Portugal em 1977 e 1983/85. Neste década, será o FMI europeu a safar a pátria. Valeu a pena a diabolização?

PS: o FMI europeu pode ser uma boa ideia. As eurobonds podem ser uma caixa de Pandora, podem ser um passo maior do que a perna. Porque um cenário de eurobonds abre a porta para um federalismo europeu. Esse federalismo pode ser executado de forma legítima, no pleno respeito da democracia e autonomia locais. Mas o ponto não é esse. O ponto é saber se os povos europeus querem dar esse passo.

Por: Henrique Raposo

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