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O fim do mundo

Editorial

1. Na edição de 7 de abril, o jornal O INTERIOR destacou em manchete que a Comunidade Beiras e Serra da Estrela perdeu 4.430 alunos em cinco anos. Compreende-se que uma manchete como esta não altere muito o raciocínio e o discurso há muito assumido de pugnar por medidas que corrijam assimetrias. E passadas duas semanas, não esperaríamos medidas milagrosas para inverter a tendência. Mas estávamos convictos de que, de forma expressiva e célere, emergisse algum clamor e a exigência de planos que possam minorar o efeito devastador sobre a região.

A diminuição em quase mil crianças, por ano, nos últimos cinco anos, e com a tendência a agravar-se, significa não apenas a desertificação do interior, tal como ela tem sido entendida, assumida e tratada até agora, mas a morte da região. Significa que, entre os que partem e os poucos que nascem, estas terras estão condenadas a serem uma reserva. Acreditar que é possível inverter a tendência ou atrair empresas, infelizmente, é um logro – haverá cada vez menos oportunidades para ficar e cada vez menos oportunidades para atrair empresas: sem mão-de-obra não se podem instalar empresas e sem mercado não há atividade que possa florescer.

Perante estes factos, devemos, com mais premência do que nunca, exigir um plano “Marshall”, com investimento público, emprego público (descentralização da administração pública) e apoio direto às empresas e empregadores que resistam. A reabertura dos tribunais deve ser o ponto de partida para a exigência de outras reaberturas ou aberturas de serviços que possam recuperar algum emprego (o cancelamento da construção da barragem de Girabolhos é uma péssima notícia). Ou então, não haverá futuro. Não será o fim do mundo… mas será o fim do nosso mundo.

2. Desde o verão de 2014 que a cotação do petróleo caiu cerca de 70%. Porém, a descida dos preços de venda dos combustíveis não acompanhou a tendência. A cotação internacional da gasolina baixou no último ano e meio 59% (junho de 2014 a janeiro de 2016); mas no mesmo período a gasolina em Portugal desceu apenas 16%. Para onde vai a diferença entre o custo do petróleo e o combustível que abastecemos? Vai essencialmente para impostos. Apesar do ódio cada vez maior aos carros, a receita fiscal dos combustíveis é cada vez mais importante nas receitas do país: por cada litro de gasóleo com que abastecemos o carro, 57,7% do preço é para impostos; e por cada litro de gasolina 65,9% vai para impostos (contas do “Expresso”). Ou se preferirem: por cada euro que gastamos a comprar gasolina 66 cêntimos são para o Estado. Entre a escandalosa carga fiscal e os lucros imorais das distribuidoras o petróleo desceu vertiginosamente, mas o consumidor foi o menos beneficiado. Além do Estado, outra grande fatia vai ficando para as distribuidoras – a Galp, por exemplo, na Península Ibérica, teve de janeiro a setembro de 2015 lucros de 422 milhões de euros só de refinação e distribuição de combustíveis. Perante isto, um ministro pediu aos portugueses para não abastecerem em Espanha. E agora, numa tentativa obtusa para Portugal não perder mais milhões para Espanha, com o abastecimento de combustíveis dos transportadores de longo curso, inventa-se um desconto que promove a desigualdade e não resolverá o problema de fundo: fiscalidade elevada e lucro extraordinário e pouco transparente das petrolíferas. Haja decoro.

Luis Baptista-Martins

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