Júlio Santos estava a abastecer o seu carro num posto de combustível de Celorico da Beira quando foi abordado por dois inspetores da Judiciária na manhã da passada quinta-feira. Cerca de uma hora depois dava entrada no estabelecimento prisional da Guarda para cumprir a pena de seis anos e seis meses decretada pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 2009 pelos crimes de corrupção passiva para ato ilícito, peculato, branqueamento de capitais e abuso de poder.
É o ponto final num dos muitos processos judiciais em que foi condenado. Desta vez, o ex-autarca não escapou à prisão após todas as instâncias judiciais superiores terem indeferido os seus sucessivos recursos da decisão condenatória de Junho de 2007. Na altura, o Tribunal de Celorico da Beira condenou Júlio Santos a cinco anos e 10 meses de prisão. Contudo, a decisão da primeira instância não agradou ao Ministério Público (MP) nem ao arguido. Ambos recorreram e, em Fevereiro de 2009, a Relação indeferiu as contestações remetidas por Júlio Santos e dado provimento parcial ao MP. Nesse sentido, os magistrados de Coimbra entenderam aceitar o argumento de que o ex-presidente socialista e do MPT deveria ter sido sentenciado por corrupção passiva para ato ilícito e não para ato lícito, como considerou o coletivo de juízes do Tribunal de Celorico da Beira. Foi o suficiente para agravar a pena de prisão aplicada.
O ex-autarca ficou ainda proibido de exercer quaisquer cargos públicos nos próximos cinco anos e determinou a transferência para o Estado da propriedade de um apartamento adquirido em Lisboa com parte dos 50 mil euros (10 mil contos) pagos ao autarca, fracionadamente e em numerário, pela construtora Manuel Rodrigues Gouveia por causa da empreitada da variante à vila. Num acórdão muito exaustivo, Ana Cardoso, juiz-presidente do coletivo que condenou Júlio Santos, deu como provado que os familiares do ex-presidente colaboraram na «camuflagem» do dinheiro pago por Fernando Gouveia, administrador daquela empresa, mas que nada sabiam da sua origem. Foi quanto bastou para a absolvição do sobrinho, das duas irmãs e respetivos maridos, inicialmente acusados da co-autoria de branqueamento de capitais.
Na altura, a magistrada disse ainda que Júlio Santos «não tinha meios quando foi eleito», mas que, a partir daí, «resolveu viver bem», pelo que «usou muitas vezes o poder em benefício próprio». Para tal, concentrou poderes na autarquia e protagonizou «alguma promiscuidade» com empreiteiros. O acórdão de Junho de 2007 deu ainda como provado que era “frequente” o então presidente solicitar-lhes dinheiro «para festas, eventos desportivos e seu uso pessoal». Uma prática também ocorrida na beneficiação da estrada entre Fornotelheiro e Celorico-Gare: «Insinuou-se perante os empreiteiros, que pressionou a pagar em troca dos pagamentos relativos aos trabalhos em curso», acrescentou o coletivo, que não duvida que, nesse período, Júlio Santos «tratou de levar a cabo uma campanha de enriquecimento pessoal».
O antigo autarca também foi condenado por ter recebido indevidamente mais de 4.300 contos em ajudas de custo, estadias em hotéis e aquisição de bens para proveito próprio, como canetas, roupa e outros objetos. Além de ter endereçado à Câmara o pagamento de mais de 44 mil contos em restaurantes entre 1998 e 2001.
Detenção «não foi uma surpresa»
Eleito pelo PS em 93 e 97 e pelo MPT em 2001, Júlio Santos regressou à Câmara de Celorico da Beira nas autárquicas de 2009 como vereador do Movimento de Apoio Júlio Santos a Presidente (MAJUSP). Cabe agora à autarquia notificar o segundo elemento da lista, a arquiteta Rute Vaz, para assumir o lugar de Júlio Santos no executivo.
Além deste, integraram a lista à Câmara, por esta ordem, a arquiteta Rute Vaz, João Manuel Duarte, Alda Santos e Carlos Barata. À Assembleia Municipal concorreu Armando Neves, que foi eleito com mais quatro candidatos.
«Todos os elementos que integraram a candidatura do MAJUSP estão na disposição de assumir o mandato e continuar o bom trabalho que tem vindo a ser feito», garante Armando Neves. Segundo o deputado municipal, o movimento «é um somatório de pessoas que não se esgota com a saída de Júlio Santos, pois persistem os fundamentos que estiveram na sua origem. Isto é, não nos revemos nas opções políticas e sociais disponíveis no concelho». Armando Neves, que visitou anteontem o antigo autarca na prisão da Guarda, disse que a detenção de Júlio Santos «não foi uma surpresa», o que o surpreendeu foi a presença de uma câmara de televisão quando este deu entrada no estabelecimento prisional.
Da glória à desgraça
Júlio Santos “destronou” o “dinossauro” social-democrata Faria de Almeida no início dos anos 90 do século passado, mas os seus mandatos ficaram marcados pela polémica e sentenças judiciais desfavoráveis.
Nascido em Prados, este advogado formado em Lisboa, de 50 anos, decidiu regressar a Celorico da Beira há cerca de 20 anos e candidatar-se contra Faria de Almeida. Poucos o conheciam então e lhe reconheciam capacidade para destronar o engenheiro, mas as dúvidas foram dissipadas por uma margem de 558 votos em 1993 e uma campanha envolta em polémica e factos. Uma coisa é certa, Júlio Santos não voltou a deixar a cadeira da presidência da autarquia até 2002, ano em que renunciou ao cargo devido ao processo que lhe valeu agora a prisão. Isto apesar do clima de guerrilha fratricida que foi alimentando com o seu adversário Faria de Almeida e a célebre Associação de Melhoramentos, Cultural, Desportiva e Recreativa do Concelho de Celorico da Beira (AMCDRCCB), mas também das desavenças com os eleitos em 1993 nas suas listas.
Em Novembro de 95 protagonizou um episódio inédito, ao designar o social-democrata Fernando Figueiredo para seu substituto na presidência da Câmara enquanto esteve de visita aos Estados Unidos. Motivo: desconfiar dos vereadores eleitos pelo PS. O seu estilo peculiar acabou por lhe granjear inúmeros inimigos no seio do Partido Socialista distrital. Uma relação de amor-ódio aguçada no decorrer da campanha para a presidência da Federação da Guarda.
O ex-autarca e poeta chegou a tomar posições muito duras relativamente a Fernando Cabral e António José Seguro, desvalorizando a sua força política e denunciando a sua «subserviência» face a Lisboa. Em conflito aberto desde então, os desentendimentos culminaram no seu afastamento das listas PS nas autárquicas de 2001, um percalço que contornou ao candidatar-se pelo Movimento do Partido da Terra (MPT), tendo sido eleito para o seu terceiro mandato em Celorico da Beira. Já nas legislativas, Júlio Santos recusou receber os candidatos do PS devido à presença de Fernando Cabral. Contudo, três meses após tomar posse, já em 2002, foi suspenso preventivamente das suas funções de presidente da Câmara por alegadas irregularidades na adjudicação de duas empreitadas municipais.
Um ano antes tinha sido condenado à perda de mandato por abuso de poder, no âmbito de uma queixa apresentada em 1999 por Faria de Almeida. Foi ainda condenado a 10 meses de prisão com pena suspensa por coação a uma funcionária, por prestar falsas declarações e por difamar uma juíza.
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Opinião
Júlio Santos, um socialista inconveniente
Júlio Santos foi eleito presidente da Câmara de Celorico da Beira em 1993 e em 2001 pelo Partido Socialista. Voltou a ser eleito em 2001 pelo MPT. E em Abril 2002 foi obrigado a interromper o mandato por causa do processo que conclui com a prisão efetiva de 6 anos e meio, pelos crimes de corrupção passiva para ato ilícito, peculato, branqueamento de capitais e abuso de poder. Dez anos a fintar a Justiça. Dez anos convicto de que os juízes podiam condenar, mas os tribunais não teriam capacidade ou atitude para mandar prender. O desfecho estava há muito anunciado.
Do ex-autarca recordamos e registamos a acutilância, a eloquência, a audácia e a defesa constante das suas ideias e convicções, dos seus objetivos e metas, da sua perspetiva do interesse do concelho e da região. Porventura, muitas das vezes esteve errado e interpretou mal o que eram os interesses do coletivo. Ou talvez não. O que sei é que Júlio Santos foi, no seu tempo, um dos mais visionários autarcas da região, um líder que se fazia ouvir, um político que interagia com a comunidade e um dos poucos cuja voz era temida e ouvida em todo o lado. Era também excessivamente populista e muitas vezes grotesco, mas tinha uma perspetiva global do interesse da região como poucos. Quiçá tenha governado mal a autarquia e seguramente nem sempre de acordo com os cânones, mas a questão é: se Júlio Santos não tivesse entrado em ruptura com o PS e com os interesses instalados e se não tivesse sido expulso do PS após ter atacado violentamente os seus dirigentes locais e nacionais teria sido este o desfecho de todo o processo?
Efetivamente, o ex-presidente da Câmara de Celorico prestou um mau serviço ao concelho em alguns dos investimentos e em muitas das despesas consumadas, e de que redundou um nível de endividamento elevadíssimo. Mas não tem acontecido o mesmo com outras autarquias? Não estão as demais Câmaras aterradas em dívidas ou “falidas”? Terão mais obra para evidenciar que Santos? Prestaram melhor serviço ao concelho de Celorico da Beira os que lhe sucederam? Em quê?
Júlio Santos foi um mau exemplo como autarca. Imputou aos cofres da autarquia despesas pessoais – dormidas em hotéis de cinco estrelas, almoçaradas em restaurantes caros e até do SG Gigante apareciam faturas na contabilidade (como oportunamente aqui escrevi). Um abusador, portanto. Como a tantos outros, em lugares similares, a Santos o poder subiu-lhe à cabeça e estava nos Paços de Concelho como em casa – tomava conta do município como se fosse dono e senhor de tudo – e foi condenado por abuso de poder. Mas quantos autarcas não atuam assim? Quantos presidentes de Câmara andam sempre em deslocações, a dormir nos melhores hotéis e a comer nos melhores restaurantes, a viajar com carro e motorista, tudo pago pelo erário público, sem que ninguém peça contas? Quanto à prática de corrupção passiva, de que também foi condenado, para haver um corrompido tem de haver um corruptor… por isso não se percebe que ele seja condenado sem que nada aconteça a quem corrompeu…
Mas, efetivamente, a condenação só confirma a ilicitude de atos e decisões em prejuízo da coisa pública e dá razão às denúncias que a comunicação social, nomeadamente este jornal, oportunamente noticiou. E por isso Júlio Santos e a autarquia de Celorico cortaram relações com O INTERIOR – noticiosas e comerciais, ao ponto não só de desviar todo o género de publicidade para outros jornais, mas também recusando o pagamento do que era devido. E, corolário do ataque que perpetrou a O INTERIOR, Júlio Santos moveu várias ações em Tribunal contra o jornal e contra mim, como diretor e como comentador. Deu preocupação e fez-me perder tempo. Se os seus intuitos tivessem tido sucesso porventura, hoje, nem estaríamos aqui por causas das indemnizações pedidas… Todavia, perdeu todas as ações que intentou. Agora vai ter tempo para regressar à poesia – depois de «Viagem por mim a dentro» poderá escrever sobre o precipício em que caiu… Até ao seu regresso.
Luís Baptista-Martins
Luis Martins
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