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O fim da crise é só para os que conseguirem lá chegar

Esta não é uma história de verão. É uma história de todos os dias.

A protagonista tem nome, chama-se Maria, tem idade, menos de 50 anos, tem filhos, dois. A Maria não é um número estatístico. Eu conheço-a.

A Maria foi ao médico, queixava-se de dores. Suspeitaram de um cancro e mandaram-na fazer exames.

Foi e voltou à consulta. Disseram-lhe que era mesmo cancro, que iria ser operada. Mas que necessitavam de mais testes. Foi fazê-los.

Regressou ao médico. Afinal, estava mais doente do que se suspeitava e a operação já não era solução. Indicaram-lhe outro médico, outro Serviço.

Com o novo especialista e uma biopsia soube que teria entre seis meses e dois anos de vida. Que voltasse na semana seguinte. Iriam iniciar um tratamento que lhe prolongaria a vida.

Maria voltou no dia combinado. Gelou quando lhe disseram que teria de esperar mais uma semana, pois o Infarmed ainda não aprovara o tratamento. Pensou: “Esperar uma semana para quem sabe que pode só ter 24 de vida é um tempo imenso.”

Mas Maria não sabe revoltar-se. Resignou-se.

Disse-me este fim de semana: “Se aprovassem, talvez eu pudesse viver um pouco mais.”

Maria não vai poder esperar pelo fim da crise. O fim da crise é só para os que conseguirem lá chegar.

A Saúde custa cada vez mais caro e não há sistema que possa suportar todos os custos. Mas também é verdade que quanto maiores forem o desperdício e a ganância nos negócios da Saúde, mais cara ela custa. E mais Marias serão condenadas.

A frieza e o pragmatismo tecnocrático não melhoram o Mundo. A morte da Maria poderia não ser em vão. Assim ajudasse a repensar o que andámos e andamos a fazer.

Por: João Garcia

* Diretor-adjunto do Expresso

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