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O estado social da Igreja

O Caderno Negro

Em tempos especialmente conturbados para os portugueses, pouco ou nada se tem ouvido da boca do cardeal-patriarca de Lisboa – que além de ser o único cardeal-patriarca português é também presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (o organismo onde têm assento todos os bispos portugueses) – sobre as questões sociais, a pobreza, o desemprego ou a degradação social. A discussão sobre se a Igreja deve, ou não, imiscuir-se nos assuntos políticos é válida. Mas se a Igreja vive dentro da sociedade, e para a sociedade, não pode distanciar-se nem deixar de vigiar a esfera política, que deve ter no seu centro o Homem. Pelo menos em teoria. D. Manuel Martins, o bispo emérito de Setúbal (a que muitos chamaram de “bispo vermelho”) recordou muito recentemente, numa entrevista ao i, que todo o Evangelho vai nesta linha. «Repare que Jesus morreu por causa disso: por chamar a atenção para a dignidade do povo sofredor e oprimido pelos poderosos do seu tempo. A Igreja não pode esquecer-se disso e tem de proclamar em toda a parte a dignidade do homem. O Homem tem de ser o centro de tudo o que se faz», dizia, acrescentando: «À Igreja também compete descer ao terreno, denunciar e chamar a atenção para aquilo que não está bem. E se calhar muitas coisas não estão bem, por exemplo na maneira como se tem exercido o poder».

Na última quarta-feira, o cardeal-patriarca resolveu falar aos portugueses numa conferência de imprensa em Fátima sobre a atualidade do Concílio do Vaticano II. E para dizer o quê? Para afirmar que a mensagem da Igreja não tem de se adaptar ao «ritmo das mudanças do mundo». E mais: ainda acrescentou que a doutrina católica serve para «ajudar a corrigir e a denunciar os exageros antropológicos» e as «modernices» como os casamentos entre pessoas do mesmo sexo. E lamentou que a «grande comunicação social» trate as posições da Igreja como se esta tivesse que «andar ao ritmo» das mudanças culturais, políticas e jurídicas. «Era só o que faltava!», rematou.

Deixando de lado toda e qualquer consideração sobre o teor das declarações do cardeal (felizmente, e 50 anos depois do arranque do Concílio do Vaticano II, este discurso velho e gasto já é uma exceção à regra dentro da Igreja), importa recordar que não é isto que os portugueses esperavam ouvir, neste momento, da figura maior da Igreja. E enquanto o Patriarca se mantém em silêncio e a degradação social vai crescendo, outros bispos acabam por ter de fazer o seu trabalho, deixando declarações avulsas, aqui e ali, sobre as políticas de governação. E mensagens de esperança em tempos de desespero. D. Manuel Martins considera que não há pedagogia neste governo. O bispo das Forças Armadas, D. Januário Torgal, lamentou as declarações recentes de Passos Coelho – que teve o atrevimento de agradecer a paciência dos portugueses. D. Manuel Clemente, o bispo do Porto, pediu vizinhanças ativas e vigilantes. O bispo de Fátima criticou, abertamente, a corrupção política e de consciências: «Perdeu-se a transparência e o sentido do bem comum. Cada um procura pensar nos seus interesses pessoais, nos interesses da sua corporação. É necessária uma nova cultura política em relação aos partidos: têm de superar os interesses e os jogos partidários e pôr acima de tudo isso o interesse nacional», disse numa entrevista também ao i.

Para que serve, então, um cardeal-patriarca que, ainda por cima, também preside à Conferência Episcopal?

Por: Rosa Ramos

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