Arquivo

O estado da Saúde e a despesa das famílias

O Observatório Português dos Sistemas de Saúde publica, anualmente, um relatório sobre o ponto da situação da Saúde em Portugal. Nesse relatório são analisados os aspetos mais vocacionados para a governação, gestão e políticas de Saúde, assim como vários resultados e indicadores sobre a “performance” do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

O Relatório da Primavera é sempre muito aguardado, cada ano, pelos agentes do setor e por todos aqueles que se interessam pelo desenvolvimento desta área. Os relatórios dos últimos anos puseram a nu as deficiências e dificuldades criadas, por um lado, pela crise económica e pelo plano de ajustamento e, pelo outro, pelas decisões erradas que têm sido tomadas, ano após ano, pelos sucessivos responsáveis do Ministério da Saúde.

Um dos aspetos mais importantes salientado neste relatório já tinha sido, aliás, motivo de alerta noutros documentos oficiais, nomeadamente no Health at The Glance da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Trata-se do esforço financeiro que as famílias têm de desenvolver para almejar o nível razoável de cuidados de saúde que se adequem à sua situação.

Portugal é o país da OCDE onde as famílias têm de pagar mais para a sua Saúde. Isso, independentemente do sistema de saúde do seu país. É aqui que reside, precisamente, a maior preocupação do atual sistema de saúde e do SNS.

Hoje, o espírito que acompanha as políticas de saúde é o inverso daquele que assistiu à criação do SNS e remete-nos para uma realidade que não conhecíamos há mais de quatro décadas, desde a democratização do país.

Para atingir metas orçamentais impostas pelos compromissos internacionais, Portugal desde há muito – e ao contrário do que outros países fizeram em situações económico-financeiras muito semelhantes – decidiu eleger a saúde como a principal área para desinvestir e “cortar”. Essa não poderia ser uma decisão mais errada, já que as famílias necessitam precisamente de maior ajuda do Estado quando estão a viver períodos de dificuldades. Mas, ao arrepio destes princípios de solidariedade, os sucessivos governos decidiram desinvestir na melhoria na prestação dos cuidados de saúde e, desta forma, obrigam as famílias a pagar mais do seu bolso as despesas com a saúde.

Segundo dados da OCDE, as famílias portuguesas suportam 27% das suas despesas com a saúde. Muito acima da média da OCDE, que se situa nos 19%.

Estamos a caminhar para um SNS cada vez mais incapaz de satisfazer todas as vertentes das respostas em saúde. As famílias têm de pagar cada vez mais pelos seus medicamentos, exames complementares de diagnóstico, consultas, etc… e recorrem mais ao setor privado por incapacidade do SNS satisfazer as suas necessidades. Penalizar financeiramente as famílias não é a solução. Estamos num país cada vez menos justo e mais desigual.

Por: Carlos Cortes

* Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos

Sobre o autor

Leave a Reply