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O essencial sobre Bigotte Chorão

Paço da Cultura acolhe exposição sobre um dos mais considerados críticos literários da actualidade

João Bigotte Chorão admite que escreveu «muito pouco» sobre a Guarda, mas confessa que a cidade o acompanha como a «própria sombra» no seu diário, um género «mais intimista». O escritor, ensaísta e crítico literário é o tema no Paço da Cultura da segunda exposição do ciclo dedicado à vida e obra de autores da Guarda, inaugurada há meses atrás com Pinharanda Gomes. Uma homenagem «inesperada» que na última quinta-feira o fez sentir-se o «filho pródigo recebido de braços abertos» e permitiu-lhe recordar «pessoas que me estimularam a prosseguir uma actividade literária dando-me confiança». A mostra, promovida pela autarquia, está patente até dia 25 e revela um dos mais proeminentes estudiosos da literatura nacional.

Os substantivos não faltam quando se fala em João Bigotte Chorão, nascido (1933) e criado na Guarda. Desde o estilo «apurado, por vezes guloso», elogiado por Pinharanda Gomes, ao «mestre no ofício de crítico e escritor», do brasileiro Josué Montello, passando por Manuel Poppe, que o considera «um dos últimos intelectuais puros, independentes, abertos e generosos das nossas letras», ou Luís Forjaz Trigueiros, para quem ele é um caso «de “clerc” exemplar» e «homem coerente consigo mesmo mas independente nos juízos, polémico quando se impõe mas não panfletário, rigoroso e exacto nas ideias e no estilo». Está tudo dito e escrito nesta exposição, onde as apreciações dos seus pares rivalizam com algumas fotografias inéditas de Bigotte Chorão. Como aquela tirada na desaparecida “Foto Hermínios” quando tinha dois anos de idade ou uma outra a ler, que revela uma parecença entre o escritor e Vergílio Ferreira. Outras há para a posteridade junto de celebridades e autores mundialmente famosos. Contudo, é a palavra escrita que domina a mostra, já que abundam os livros do autor, com destaque para os inúmeros dedicados a Camilo Castelo Branco, obras autografadas e prefaciadas, bem como cartas enviadas por escritores de renome, como Almada Negreiros, Vitorino Nemésio, Miguel Torga ou Mircea Ilíade, entre outros. Testemunhos e reconhecimentos que saíram «pela primeira vez do armário», revela. E a Guarda? «Foi aqui que descobri o mundo», conta Bigotte Chorão, para quem o facto da cidade ter inspirado/estimulado tantos escritores terá ficado a dever-se ao isolamento. «Isso e a rudeza do clima faziam com que as pessoas vivessem sobre si próprias e fomentava a leitura, porque era um dos poucos meios de distracção/evasão. Também a proximidade da fronteira terá contribuído, mas aqui a literatura era um meio de afirmar a identidade», considera. O autor não esquece, por outro lado, a tradição jornalística da cidade, evocando a oferta multifacetada dos primeiros anos do século XX. «É um facto muito interessante, que ainda hoje subsiste, e é mais um contributo para a leitura, porque o mal está em não se ler coisa nenhuma», defende. De resto, acha que o bom livro está actualmente «fora de moda» em Portugal e garante que os autores em voga não são escritores mas «figuras mediáticas». O que, na sua opinião, pode confirmar-se facilmente: «Ficamos angustiados quando olhamos para os escaparates das livrarias, pois o marketing domina e os nossos autores clássicos escasseiam. Mas os apreciadores sabem distinguir o marketing do livro genuíno e o livro nunca desaparecerá enquanto esse amante existir», sublinha, defendendo que o Estado deve «estimular» as edições e colecções de grandes escritores portugueses através de subsídios às editoras para baixar o preço de capa. «Ninguém se tem atrevido a publicar escritores nossos», lamenta.

Um escritor na cidade

João Bigotte Chorão licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, cidade onde iniciou a sua actividade literária na revista “Estudos”, publicação do Centro Académico de Democracia Cristã. Ali publicou ainda os seus primeiros livros, “O Discípulo Nocturno” (1965) e “Aventura Interior” (1969) em cujas páginas perpassa uma fina análise de obras e autores consagrados nas letras portuguesas. Escreveu mais tarde um terceiro volume de diário, “O Reino Dividido” (Lisboa, 2000). E esta é uma característica singular do estudioso crítico da literatura: ainda que se tenha ocupado do pensamento e da obra de autores estrangeiros – recorde-se o ensaio “Vintila Horia” ou “Um Camponês do Danúbio” (1978) e os estudos sobre Unamuno ou ainda os escritores brasileiros -, a sua atenção recai preferentemente sobre as grandes figuras da literatura nacional, como testemunham os livros “Camilo – A obra e o Homem” (1979); em segunda edição: “Camilo – Esboço de um Retrato”, (1989); “João de Araújo Correia – Um Clássico Contemporâneo” (1990); “Carlos Malheiro Dias na Ficção e na História” (1992); “Camilo Camiliano” (1993); “O Essencial sobre Camilo” (1997); “O Essencial sobre Tomaz de Figueiredo” (2000). Ao romancista Francisco Costa dedicou um substancial estudo introdutório à edição das “Obras Completas” (Porto, 1989). A sua obra testemunha, na generalidade, uma sólida e diversificada cultura, aliada a grande pureza estilística que lhe dão jus a ser tido como um dos mais considerados críticos literários da actualidade. João Bigotte Chorão editou ainda “O Escritor na Cidade” (1986), “Nossa Lisboa dos Outros” (1999), “Galeria de Retratos” (2000) e “Diário Quase Completo” (2001). JMA in “Dicionário de Literatura – Actualização 1º Volume” (Figueirinhas, 2002)

Luis Martins

Sobre o autor

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