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O escritor que gosta de receber palavras como prémio

Mia Couto falou com alunos das escolas secundárias da Guarda horas antes de receber o Prémio Eduardo Lourenço

Um dia, num aeroporto, um desconhecido foi ter com Mia Couto para lhe dar a palavra “improvisório”. «Foi o melhor prémio que recebi até agora», admitiu o escritor num encontro com alunos da Guarda na passada sexta-feira. Esta foi uma das confidências que o autor fez a uma plateia de estudantes do 10º e 11º anos da Afonso de Albuquerque e da Sé horas antes de receber o Prémio Eduardo Lourenço.

Iniciada com uma versão musical do poema “Para ti”, a sessão ficou marcada pela curiosidade de alguns jovens e a irreverência de uns poucos, que até lhe perguntaram se tinha gostado do filme “Um Rio”, de José Carlos Oliveira, baseado no romance “Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra”. Mas Mia Couto preferiu passar à pergunta seguinte. Foi a única que ficou sem resposta nessa manhã na Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço, onde Mia Couto revelou que começou a escrever poesia «por causa» das raparigas e por ser tímido. «Quando elas se tornaram reais, passei para a prosa», acrescentou, afirmando que as obras que mais prazer lhe deram escrever foram as que publicou «quando não tinha público e não havia expetativas em relação a elas». Agora, confessou-se «debilitado» pela preocupação de saber como vai ser recebido um novo livro.

O escritor disse-se também escolhido pelas personagens das suas obras e justificou porquê. «Cruzo-me com olhares de gente que está a pedir que escreva sobre elas», referiu, sentenciando que «pobre é quem não tem uma história para contar». E em Moçambique, a sua terra natal, há muitas para contar, como se verifica no seu último livro “A Confissão da Leoa”, baseado num caso real. De resto, explicou que «antes de ser escritor, é preciso ser escutador» e revelou que um dos seus livros preferidos é “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez. Revelou ainda que se esquece daquilo que escreve, pois «as personagens têm que morrer para eu partir para outra história, o mesmo acontece com as palavras criadas, que surgem como se fossem uma iluminação». No entanto, ao contrário de Miguel Torga, «a escrita não é maceração, nem sofrida. Se assim fosse não escrevia, para mim é um prazer», respondeu a uma professora.

Mia Couto pronunciou-se ainda sobre o acordo ortográfico, dizendo que não gosta mas aceita-o. Além disso, «o computador já escreve melhor que eu», ironizou. Um aluno também perguntou se Mia Couto era o seu «nome artístico» ou o verdadeiro, pelo que ficámos a saber que foi o nome que se atribuiu em pequeno por causa dos gatos vadios que iam comer a sua casa. «Foi um acordo tácito com os meus pais e a família e assim ficou», declarou. Mia Couto, biólogo de profissão, aproveitou ainda este encontro para sugerir aos jovens que têm que valorizar a escola e não abdicarem «de querer saber». A O INTERIOR acrescentou mesmo que, em Moçambique, «os jovens querem estar na escola e reconhecem a sua importância para mudar de vida, ao contrário do que se passa em Portugal e na Europa, onde impera o sentimento de obrigação».

Luis Martins Mia Couto falou da sua obra e sugeriu aos jovens que valorizem a escola

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