Arquivo

O episódio seguinte de uma políticonovela sem fim à vista…

Hic et Nunc

Decorriam os anos 80 do século XIX quando o Dr. Sousa Martins atestou, com todo o rigor científico, a qualidade dos ares serranos para a cura provocada pelo bacilo de Koch, tendo sido a Guarda a primeira cidade a ser contemplada com o primeiro sanatório da Associação Nacional de Apoio aos Tuberculosos. A nossa cidade granjeou prestígio, grandeza e dimensão, tendo-lhe sido atribuído o cognome de cidade da saúde. Quase século e meio passado e o complexo processo Hospital continua encalhado, inserido neste contexto geográfico e na pior das desgraças deste interior profundo que nenhum governo consegue resolver.

Em meados de 1999, o Prof. Manuel Serrão concluiu um estudo que visava terminar com as infindáveis listas de espera e já em 2001 o Prof. Manuel Antunes publicava um livro intitulado “A doença da Saúde”. Mal sabia o autor quão doente estava e está a saúde na Guarda.

No inicio dos anos 90 o então primeiro-ministro, Aníbal Cavaco Silva, resolve construir hospitais em todo o país tendo sido proposto ao então diretor, Valério do Couto, um acrescento aos pavilhões do velhinho sanatório em troca de alienação de terrenos da cerca do sanatório e uma falta de visão e reivindicação do PSD que entalou a Guarda no meio de duas e modernas unidades hospitalares. A partir daí o folhetim hospital marcou toda a agenda política. Todas as campanhas eleitorais. A promessa de Durão Barroso, em junho de 2002. O terreno que Maria do Carmo não deu, tendo a então presidente da Câmara e a vereadora Ana Manso trocado acusações extremamente graves. A resolução do Conselho de Ministros, o anúncio de Luís Filipe Pereira, em comício partidário, e a tentativa de lançamento do concurso com datas e sem pagamento do projeto. A luta pela manutenção da maternidade. O debate na Assembleia Municipal da Guarda a 17 de novembro de 2003.

A localização que chegou a dar origem à trafulhice de linguagem “Hospital novo ou novo Hospital”. A oferta da Câmara de Celorico da Beira de um terreno entre a Guarda e Celorico. A destruição de material hospitalar, por parte do ministro Correia de Campos, num episódio de contornos caricatos e rocambolescos, partindo uma cadeira com o intuito de quebrar o enguiço e, por fim, a promessa de José Sócrates em fevereiro de 2005 dizendo que a Guarda «merece ter um Hospital em condições». A visita de Correia de Campos (desta vez muito mais calmo) a 19 de maio de 2007, firmando um contrato que teve culminar no lançamento da primeira pedra do novo acrescento, em plena campanha para o Parlamento Europeu, por parte do primeiro-ministro José Sócrates, concluindo-se que o PSD ofereceu-nos um apêndice de tipo sapateiro remendão de arquitetura cavaquista, enquanto o PS brindou-nos com um outro, um pouco maior, que em fase terminal não se consegue financiamento para a sua efetiva conclusão e apetrechamento, apostando, também aqui numa arquitetura vanguardista, sendo provavelmente o único hospital no mundo que entre os serviços de urgência e o internamento tem uma igreja!!! Que pensará o doente quando ali entrar??

A juntar a tudo isto olhamos para o Orçamento de Estado e percebemos que a prioridade política do sector traduz-se num crescimento diminuto, direi quase nulo, criando a ilusão que com o aumento e pagamento indiferenciado das taxas moderadoras poderá ser fator determinante na correção das desigualdades questionando-me se todo este calculismo economicista não é erro, estratégia ou mesmo hipocrisia social? Chegados a este ponto, dá vontade de protestar, de praguejar, de deixar de estar rendido à palhaçada política, deitando para trás das costas as promessas oferecidas nesse escaparate tingido de laranja e rosa que apenas nos tem trazido azar, discussão estéril e distanciamento em relação ao resto do país.

Em 2006, o PS, apostou na criação de um Centro Hospitalar que poderia englobar os hospitais da Guarda, Covilhã e Castelo Branco onde apenas foi utilizado esquadro, régua e, segundo se sabe, o mapa da Michelin, para calcular distâncias. O PSD através do Despacho 10601/2011 do ministro Paulo Macedo, dá-nos a conhecer a carta hospitalar onde consta o rigor na gestão hospitalar, a reorganização da rede hospitalar, a concentração de serviços, criando um grupo de trabalho que vai propor medidas e linhas de ação capazes de concretizar o acordado entre o Governo Português, o Banco Central Europeu e o FMI, numa política a desenvolver entre 2012 e 2014, chegando-se facilmente à conclusão que com o tratamento que todos os governos têm dado ao nosso hospital, com a Faculdade de Ciências Medicas na Covilhã e um hospital dimensionado e bem equipado pergunta-se: Na eventualidade de um esquema de concentração de serviços, o que irá a Guarda ganhar com a célebre reorganização hospitalar?

A aposta, tal qual como em 2006, não passará pelo centralismo geográfico em relação à Guarda e Castelo Branco? Irão aqui criar mais especialidades ou sairão alguns serviços, com destaque para a maternidade, a pediatria e se calhar mais uns poucos? E se assim for, estarão os dispensáveis dois deputados que residem neste interior profundo, Ângela Maria Guerra e António Carlos Peixoto, dispostos a lutar pela manutenção de serviços e autonomia do nosso hospital? Ou dirão uma coisa por cá e farão o seu contrário no Parlamento num seguidismo cego do Governo? E a Câmara da Guarda estará na disposição de ser, pelo menos uma vez na vida, reivindicativa? E as forças vivas? Os sindicatos? As associações patronais, de comércio e serviços? E o PS e o PSD ficarão, pelo menos neste pertinente assunto, de acordo?

Independentemente das historietas, quiçá interessantes e de interesse jornalístico, que têm alimentado as páginas dos jornais e que têm por base a Unidade Local de Saúde, o busílis da questão é a necessidade de estarmos despertos, interessados e extremamente atentos com tudo aquilo que nos pode bater pela porta. Para que o Hospital centenário não se transforme, mais dia, menos dia, num mero Centro de Saúde com meia dúzia de especialidades. E em vez de alimentarem guerras intestinas de Santos, Marqueses e Reis, era importante, direi fundamental, que centrassem atenções e vocações naquilo que é essencial para a Guarda, para o seu Distrito, para as suas Gentes.

Por: Albino Bárbara

Sobre o autor

Leave a Reply