“Com mão firme e mão estendida”. Foi com estas palavras que Zapatero terminou o último dia do seu primeiro mandato e começou o primeiro dia do seu segundo mandato. Os socialistas seguraram o poder depois de quatro anos de uma confrontação política duríssima com o Partido Popular de Mariano Rajoy, e depois de uma campanha eleitoral vivida com intensidade redobrada que não foi mais do que a continuação do embate de toda uma legislatura por outros meios. Nos últimos quatro anos, a vida política em Espanha foi marcada pela crispação ideológica entre dois partidos hegemónicos, um na esquerda outro na direita, com concepções do mundo e da vida cada vez mais inconciliáveis. Há mesmo quem tenha olhado para o fenómeno e tenha visto dois países onde o mapa nos mostra apenas um, como que a recordar velhas feridas, velhos confrontos, velhos traumas nunca totalmente superados.
Há duas visões da Espanha que se vêm confrontando claramente nos últimos anos, pelo menos desde que Zapatero chegou ao poder. A crispação é fruto do embate de dois sistemas de valores alternativos, mas também da recusa do PP em aceitar os resultados das eleições de 2004. Para quem contava ganhar folgadamente nessa ocasião, a vitória do PSOE apareceu como ilegítima pela interferência dos atentados de 11 de Março em Madrid. Para o PP, foi a própria vontade dos espanhóis que resultou condicionada e manipulada pelas manifestações convocadas por SMS diante da sua sede. Mas nunca é demais lembrar que essas gentes exigiram saber a verdade, face a um partido e a um governo que lhes ocultava informação em função das suas estratégias eleitoriais. Em quatro anos, essa crispação cristalizou em torno do modelo do estado, da política antiterrorista, da aprovação do novo estatuto da Catalunha, da educação para a cidadania nas escolas e do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Sem ter maioria no Parlamento, Zapatero foi pactando com os partidos mais pequenos e cavando a diferença com a direita. O fosso e a crispação chegaram a um nível impensável quando se tratou de reagir à trégua da ETA e, mais ainda, quando se tratou de reagir ao fim da mesma. Onde até então tinha havido solidariedade total das oposições com os governos em matéria de política antiterrorista, o PP resolveu pôr a mesma em causa e acusar o PSOE, primeiro, de trair a nação espanhola para negociar com terroristas, depois, com o fim da trégua, de voltar a trair a nação e vulnerabilizar o estado na luta contra o terrorismo. O que parece indesmentível é que o PP utilizou o impensável como arma de arremesso contra o governo, quebrando assim uma regra crucial da política espanhola e a unidade essencial para defender o estado de direito.
Assim, domingo foi “o dia Z”, o dia em que Zapatero reforçou a sua liderança no PSOE e no governo de Espanha, foi o dia em que uma larga maioria do eleitorado apoiou as políticas sociais e progressistas de uma legislatura, e foi sobretudo o dia em que 75% dos espanhóis maiores de 18 anos se empenharam para fazer a sua escolha para o futuro do seu país. Três em cada quatro. Mas “o dia Z” também é o nome que o David Erlich (meu aluno do 1.º ano de Ciência Política no ISCSP da Universidade Técnica de Lisboa) deu ao blogue em que foi contando, nas duas últimas semanas, a sua experiência de voluntário na campanha, junto das juventudes do PSOE. Mais do que as virtudes de um qualquer partido, governo ou candidato a primeiro-ministro, o que me interessa aqui destacar é a atitude e as inquietações de um jovem aluno universitário português que vai em busca de mundo, em nome dos ideais e projectos em que acredita, espicaçado por um agudo sentido do empenhamento – do compromisso firme com a vida – que tanto me surpreendeu já durante o último semestre. Para o David, a expressão pública da minha profunda admiração.
Por: Marcos Farias Ferreira