Um mar de gente marcou presença em São Pedro de Rio Seco (Almeida), no último sábado, na homenagem a Eduardo Lourenço. A terra natal do pensador e ensaísta erigiu-lhe um monumento no centro da aldeia, que o escultor Leonel Moura idealizou em forma de estela com a figura recortada do filósofo. E a casa do seu nascimento, em 1923, ostenta a partir de agora uma placa alusiva ao acontecimento.
De regresso ao ponto de partida, a casa – «aqui sei sempre onde estou, o que é raro em mim», disse –, Eduardo Lourenço não escondeu o peso do momento. «É uma festa do coração, que me comove neste ponto da minha vida, crepuscular, sem futuro à vista. Quando a gente só tem quase passado, as coisas são vividas de outra maneira», declarou aos jornalistas, a quem confidenciou também que desse passado «o momento mais eterno foi o que vivi nesta terra e é por isso que estou contente por estar cá hoje». Por causa dele veio também gente ilustre, que se misturou com os seus «patrícios», como Pilar del Rio, viúva de Saramago, os ex-ministros Isabel Alçada e Mariano Gago, o constitucionalista Gomes Canotilho, o presidente da Fundação Gulbenkian, Rui Vilar, ou Manuel António Pina, entre outros.
A todos disse Eduardo Lourenço que esta homenagem não tinha «lógica» e que, pelo contrário, era ele que estava em dívida para com a sua aldeia: «Sou autor de ensaios com alguns leitores, sobretudo no meio intelectual, mas não pude tanto quanto queria ser um autor dos meus. Teria gostado de ser alguém que tivesse dado a esta terra um suplemento de imaginário, como os poetas e os romancistas», declarou. Na sessão solene, o pensador não escondeu também algum desconforto por se ver representado numa escultura. «É como converter-me em vivo-morto, em fantasma de mim mesmo», considerou, acrescentando, contudo que «tudo isto é tão excessivo perante aquilo que sou». Neste encontro telúrico, Eduardo Lourenço sublinhou que aquilo que aprendeu em São Pedro do Rio Seco foi «muito mais importante que as letras. Foi a vida que se vê, o sentimento que sente e as andorinhas da minha infância», numa alusão ao poema “Aos Simples”, de Guerra Junqueiro, com que finalizou a sua intervenção.
Antes do homenageado, Luís Queriós, presidente da Associação Rio Vivo, que organizou a iniciativa com o Centro de Estudos Ibéricos, fez uma caracterização desta aldeia raiana, que já só tem 170 habitantes, de acordo com os últimos Censos. «No tempo de Eduardo Lourenço eram cerca de 700. É uma terra ferida de morte, pois ninguém vem substituir aqueles que morrem», disse. Por sua vez, Oliveira Martins, presidente da comissão de honra da homenagem e do Tribunal de Contas, classificou Eduardo Lourenço de «homem dos heterodoxos» e da «psicanálise mítica do destino português». E acrescentou: «É uma das consciências morais, culturais e cívicas da Europa contemporânea, ao lado de Edgar Morin, Claudio Magris ou Jurgen Habermas». A plateia pode ainda assistir à estreia do documentário “Regresso sem fim”, com Eduardo Lourenço, realizado por Anabela Saint Maurice, numa co-produção RTP2/CEI.
Luis Martins