A canção que descrevo é um pedaço de sertão onde uma mulher madura levou o marido ao médico. Foram a pé. Ele coxeava, ela mal via, mas entre os olhos de um e as pernas do outro chegaram lá, onde ela contou porque vieram sós. Fizeram cinco amores mas o primeiro afogou-se em bebidas com fantasia. O seguinte nunca gostou do trabalho e foi-se arrastando aqui e ali. Sabia de peditórios. Exímio em trafulhices subsídios e apoios sociais. Do terceiro não sabia se vivo ou morto. A quarta estava operada e logo das duas mãos. Porque se operam as duas mãos? Fica-se sem autonomia para limpar o rabo ou conduzir ou levar o pai à consulta. O quinto era mais doente que os pais. Silvina levou o David e assim são sete dentro de dois. Sete pessoas que são afinal só dois olhos e duas pernas boas. Silvina consegue pouco do muito que se empertiga. Quer as certidões e os apoios. O David Rosa tem uma reforma que reparte por sete mas conta para benefícios dividida por dois. São oitenta e um anos de insatisfação. A reforma é maior que a miséria de todos se fosse para um e por isso não dá transportes nem subsídios, nem ajudas. Ela é cega porque se operou no Hospital grande e perdeu o melhor olho numa cirurgia inexperiente. Agora sobra-lhe o que via pior. Sobra de menos. David esteve em França onde nunca falou francês. Aleijou-se e veio com as dores, as feridas e uma reforma para Pedrogão. Dista 70 quilómetros dos Covões, onde se devia tratar e não pode porque os transportes levam-lhe a comida. Não pode alimentar os outros cinco de gasolina. Vieram os fogos que lhe comeram esturradas as galinhas. Porra! “Pão de pobre cai sempre com a manteiga para baixo”. Não choram. Os dois fazem um protesto azedo mas baixo, sem erguer a voz, sem gestos exacerbados. Cansaram de acreditar e não sabem que isto se chama desesperança.
Por: Diogo Cabrita