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O “Cravo” e o rapaz de 32 anos

Preciso de usar “Crucifixo” para ser cristão? Não! Preciso de usar “Cravo” para ser democrata? Não. O Crucifixo e o Cravo são símbolos de um conjunto mais vasto de valores – esses sim, importantes!

Conheço muita gente de crucifixo que tem a alma mais negra que o Demo. E quanto ao cravo…”na lapela fica bem, sobretudo, em certos filhos da mãe” – já dizia a canção!

O Cravo é exterior. Os valores são interiores. Há quem cultive só a imagem de “Abril”. E há quem procure colocar na sua vida e no seu trabalho os valores decorrentes dessa nova aurora.

O “25 de Abril” não é uma data. É a matriz de um novo processo democrático. O “25 de Abril” não aconteceu. Está a acontecer. Em cada dia. Em cada luta. Em cada erro. Em cada vitória. Em cada queda. Em cada retomar da luta. Em 1974 demos o primeiro passo, mas o “25 de Abril” é uma caminhada. Uma longa caminhada.

Passados 32 anos, o discurso patético e revivalista de uma Revolução datada no calendário, em que se contam histórias de capitães como se fosse um romance heróico, é impedir o “25 de Abril” de crescer.

Quando alguém festeja 32 anos, as pessoas não passam a festa a falar da gravidez da mãe, das dores do parto, do primeiro babygrow, da chupeta na lapela… falam de como está a sua vida actual, a sua família, a sua profissão. E preocupar-se com o presente não é renegar o acto que lhe deu vida. Pelo contrário.

Pessoalmente, gosto de símbolos. E gosto do “Cravo” enquanto símbolo. Em tempos devo ter posto algum na lapela. Mas sei que não são os cravos que fazem os democratas, mas sim as suas acções. Mais do que um cravo na lapela, é preciso que as suas sementes estejam num canto do jardim, dentro de nós.

Fez bem Cavaco Silva em não usar “Cravo” – porque nunca o usou. E gostei de o ver na festa de um rapaz de trinta e dois e anos, a olhar o futuro e a dizer-lhe: “A tua vida não anda bem. Preocupo-me contigo. Vamos ver como te podemos ajudar…”. E lá longe numa mesa da sala, ficou o retrato do nascimento do rapaz, com a sua mãe a sorrir como um cravo aberto. Mais do que falar do nascimento, importa cuidar que não morra.

Por: João Morgado

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