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O costume…

Editorial

1. O Orçamento Retificativo não vai, a priori, exigir mais sacrifícios aos portugueses. A austeridade continua, mas o simples facto de não haver necessidade imediata de aumento de esforço fiscal para o cidadão e para as empresas… é uma boa notícia. O mesmo se poderá dizer sobre a descida das taxas de juro da dívida pública. A normalidade parece regressar aos mercados e poderá permitir um certo respirar de alívio. Finalmente. O problema é que a fatura da austeridade e a recessão estão para durar.

Mas há sinais contraditórios. Enquanto a generalidade dos portugueses continua a sofrer as agruras da crise (e os décimo terceiro e décimo quarto mês poderão não voltar a ser pagos), estranhamente, o governo autorizou as promoções reivindicadas pelas Forças Armadas e também na PSP, GNR e Guarda Fiscal. Ou seja, a equidade tantas vezes reivindicada voltou a ser esquecida para alguns. Depois dos trabalhadores da ANA, da TAP e da Caixa, agora são os militares e as forças de segurança a merecerem a excecionalidade ao congelamento da progressão na carreira que os demais trabalhadores sofreram. Não se compreende porque é que os demais funcionários públicos não têm as mesmas prerrogativas. Para além do sinal negativo e desmotivador para os demais trabalhadores, esta opção só pode significar que o Governo quer ter “na mão” as forças de segurança e contar com a disciplina militar para impor o “respeitinho” ao povo. Enfim, com a descriminação positiva à polícia e à tropa o Governo dá a uns aquilo que tira a outros, mas assegura uma certa paz governativa, ou pelo menos o controlo da contestação! Mas o consenso social à volta dos sacrifícios vai-se esboroar por culpa de medidas como esta. Não pode haver sacrifícios para uns e privilégios para outros.

2. A notícia de que apenas 57 por cento dos portugueses pagam IRS vem confirmar que a maioria, pura e simplesmente, não paga impostos – excetuando na aquisição dos produtos que adquire, como o IVA ou o ISPP. E isso acontece pela simples razão de que a maioria dos portugueses aufere vencimentos tão baixos que ficam isentos do imposto sobre o rendimento do trabalho. Obviamente isto obriga a que tenhamos uma sociedade solidária. Uma sociedade onde não há Igualdade, mas ao menos há, tem de haver, Solidariedade (e não me refiro a instituições particulares de solidariedade social que, salvo honrosas e extraordinárias exceções, são uma verdadeira máquina de sacar dinheiro ao Estado – aos contribuintes). É neste contexto que é difícil compreender algumas medidas populistas sobre a redução do apoio aos mais pobres. É extraordinário que o ministro utilize o argumento de que há pessoas com carros topo de gama ou depósitos bancários de mais de cem mil euros, para reduzir os apoios sociais ou o rendimento social. Se há de facto casos de pessoas que na economia paralela, na criminalidade ou que têm rendimentos que evidenciem não necessitar de ajuda, pois que sejam investigados e denunciados e, naturalmente, que sofram as consequências. Agora, generalizar e tirar a quem não tem quase nada, é um atentado contra a pobreza. É fácil tirar aos pobres. Difícil é tirar aos ricos – António Mexia ganha num ano mais de três milhões de euros para administrar a monopolista EDP, que aumenta constantemente o preço da eletricidade (Portugal é o país do euro com energia mais cara) e ainda é subvencionada em milhões para produzir eletricidade (nas renováveis), mas sobre isso o Governo nada faz, nem que um secretário de Estado se demita.

Luis Baptista-Martins

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