Os Ministérios da Presidência e da Modernização Administrativa e das Finanças, através das suas secretarias de Estado, decidiriam reabilitar uma ideia que a alternância do poder tinha deixado empoeirar numa qualquer gaveta esquecida.
A burocracia mental dos nossos dirigentes já tinha remetido o Simplex para a era do Cretáceo. Hoje, restam-nos poucos vestígios dos efeitos do Simplex e até muitos de nós até duvidávamos se teria realmente existido. Mas ele está de volta, com um timbre de modernidade: Simplex 2016.
Numa carta pública destes ministérios, todos fomos chamados a dar um contributo: «O Simplex vai voltar como um programa nacional único com medidas que têm como objetivo central tornar mais simples a vida dos cidadãos e das empresas na sua interação com os serviços públicos, contribuindo para reforçar a relação de confiança entre os cidadãos e o Estado e para uma economia mais competitiva. (…) Assim, convidamos todos os trabalhadores em funções públicas e dirigentes a participarem na construção do Simplex, contribuindo com propostas e ideias para simplificar e agilizar a relação das pessoas e das empresas com os serviços públicos».
A ideia, independentemente da sua menor ou maior eficácia, tem o mérito de tentar combater uma das áreas que mais tem contribuído para o atraso do nosso país e dificultado muitos processos que deveriam ser simples. A burocracia tem sido um entrave importante na modernização dos serviços, na eficiência de muitos procedimentos e no desenvolvimento da qualidade dos processos. O “Compliquex” (o oposto do Simplex) que nos anda a assolar há décadas tem mantido a administração pública na era da pré-história administrativa e colocado profissionais e utentes num desespero permanente.
A área da saúde tem sido particularmente atingida pelo peso esmagador de processos excessivamente burocratizados. Muitos profissionais dedicam, hoje, mais tempo a preencher papéis e a tentar executar programas inoperacionais do que propriamente a falar, ver e cuidar dos seus doentes. A Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos solicitou, recentemente, aos seus 8.000 associados contributos para a modernização do Serviço Nacional de Saúde.
Recebemos centenas de sugestões, o que demonstra, por um lado, o impacto negativo que o excesso de burocracia tem sobre a área da saúde e, por outro, a enorme vontade dos médicos participarem na melhoria dos processos administrativos.
Resumidamente, existem duas áreas onde é necessária uma intervenção urgente. Incompreensivelmente (ou talvez não) subsistem, no SNS, dezenas de programas informáticos diferentes (muitos deles com as mesmas funções). Em muitas unidades de saúde, o médico tem de abrir vários programas que dizem respeito ao mesmo doente (um programa para a Urgência, outro para o internamento, outro para as consultas, outra para as análises, outro para a radiologia, outro para a anatomia patológica, outro para os exames especiais, etc.). Frequentemente, os hospitais e centros de saúde usam programas diferentes, tornando incompatível a troca ou visualização de informação. Muitas vezes, os doentes têm de repetir os mesmos exames ou as mesmas consultas por não existir troca de informação atempada.
É uma ideia simples, mas absolutamente necessária: uniformizar os programas do SNS e permitir a sua interligação. Não é aceitável que seja mantida a discrepância e a confusão informática em que vivemos. Além do mais, os computadores, monitores e impressoras averiguaram-se obsoletos face ao exponencial desenvolvimento dos novos programas.
Outra área onde seria desejável existir uma mudança é no contacto com o doente/utente. A criação de um quiosque eletrónico para marcação de consultas, visualização de exame e interação administrativa com o seu hospital ou centro de saúde seria um passo de gigante com enormes benefícios para os profissionais e para os utentes.
Portugal tem vivido na era do “Compliquex”, transformando os seus profissionais de saúde em burocratas e afastando-os do contacto com o seu doente. A modernização do SNS não é só um ato de simplificação, mas sobretudo de humanização do sistema.
Por: Carlos Cortes
* Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos