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O candidato branco

Bilhete Postal

O meu programa não tem letra nenhuma. Não coloco nenhuma ideia ou objetivo. O meu programa é um lençol saído da máquina, passado a ferro e dobrado. Sei que ninguém leu o que antes escrevi, o que afirmei de modo perentório. Há tipos que antes de mim frisaram nos seus livros que iam matar os que eram diferentes, que iam aniquilar os deficientes, que abdicariam de todos os que tivessem outra cor, os que garantiam matar os drogados. Por graça ou não foram eleitos facínoras, ladrões, condenados, gente séria misturada com vigaristas, mentirosos. Há pessoas que ofendem, outros poluem, outros fazem negócios obscenos, outros garantem para os amigos os tachos melhores (ficando com as colheres), outros permitem crimes ecológicos. Há os que aproveitam o poder e assassinam, clamam guerras, apagam histórias. O que me surpreende é que foram eleitos por um povo que vota e os escolhe. Claro que também vota em tipos bons, agradáveis, honestos e impolutos. Mas então para que vale o programa se depois fazemos o que nos dá na gana? Não quero um programa. Não farei uma lista de machos, terei mulheres bonitas e alguns criadores quase dementes. Quando me escolherem sabem que estou a favor da imaginação, sabem que são projetos módicos. Não prometo nada, nem escrevo coisa nenhuma. A bandeira branca é a da paz. Então sou pacífico. O papel imaculado é virgem e portanto sou inocência. Oferecerei borrachas e lenços. Apaguem as tristezas e assoem as mágoas. Vem agora quem vos fará melhores. Papéis brancos, sem fotos e sem interjeições. Os meus comícios não têm cânticos nem discursos. Iremos sempre em silêncio ocupando as consciências. Sou um candidato branco que significa luz, iluminação. Por tudo isto acho que posso surpreender e na eloquência da pausa tocam-se as sinfonias da imaginação dos outros. Podem pensar de mim o bom e o medíocre, mas votarão em si. Eu não disse nada, se me escolhes acreditas no que pensas de mim. Eu sou a “selfie”, eu sou o que imaginares escrito na folha branca que te dou. O candidato branco vem aí.

Por: Diogo Cabrita

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