Num quarto de uma pensão, uma mulher vive encarcerada, à espera, o silêncio da espera… Com um pulsar trepidante de energia, Catarina Rosa é uma mulher que toma e assume todo o tipo de atitudes necessárias para atingir os seus objectivos, com muita força e intensidade. Na ambiência criada, provoca-se o latejar de vários estados emocionais e no texto lê-se o drama desta mulher, que se sacrifica pelo ser existencial. Já Luís Soares despreza aquela mulher, que lhe é completamente indiferente. Tudo isto é ficção e a mais recente produção apresentada pelo Aquilo Teatro. “O Belo Indiferente”, de Jean Cocteau, com tradução e dramaturgia de Luís Nogueira e encenação de António Saraiva. A peça estreou terça-feira e continua em cena hoje e amanhã na sede do grupo guardense.
Este texto de Jean Cocteau foi escrito em 1940 e inserido numa colectânea de pequenas peças a que deu o título de “Teatro de Bolso”. O monólogo foi dedicado a Édith Piaf, a diva da canção francesa, numa altura em que vivia um romance com Paul Merisse. A atmosfera, a temperatura emocional e o próprio texto, «assentam como uma luva», constata Luís Nogueira. De resto, «é uma tragédia estática», que nos dá o pulsar da mulher permanentemente torturada de paixão pelos seus sucessivos amantes, os seus extremos e as suas contradições, acrescenta o autor da dramaturgia. Enfim, um texto intenso e triste, a lembrar aqui e ali a poética do fim, a amargura do rompimento anunciado. Um espectáculo que percorre as escalas enlouquecedoras da paixão em 50 minutos. Depois de mais um espectáculo, uma cantora regressa ao quarto de hotel onde vive com um jovem, mas encontra o quarto vazio. Ele chega finalmente, mas completamente indiferente à sua presença ou sentimentos. «Ele é completamente indiferente àquela mulher», conta o encenador, daí o título “O Belo Indiferente”. «É uma historieta inventada, em que uma mulher é torturada pela força da paixão», refere António Saraiva.
Trata-se da obsessão de um amor por um homem mais novo, que não é correspondido. A cena passa-se num quarto de uma pensão, onde a personagem principal espera e desespera pelo seu amante. A peça faz um retrato impiedoso de uma mulher de meia idade, que não é muito bela, e que se vê completamente ignorada pelo seu amante mais jovem. «Esse homem acaba por ser um chulo, mas não no sentido mais vulgar», explica o encenador. O amante suga-lhe tudo, desde o amor à dignidade, «deixando-a vazia de sentimentos e não só», adianta. A peça mostra o limite do amor, a tortura e as contradições amorosas. “O Belo Indiferente” é a segunda encenação de António Saraiva, um jovem que começou com a Escola Velha, de Gouveia, e que agora é actor profissional. O palco transforma-se numa tela de sentimentos em que contracenam dois actores, Catarina Rosa e Luís Soares. Apenas eles compõem aquela intriga, sendo que «só ela é que fala e a ele cabe-lhe mais um trabalho de figuração», indica o encenador, mas ambos protagonizam este pequeno espectáculo intimista e revelador da fragilidade humana.
Liliana Correia