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O aquecimento global

Editorial

1. A tragédia abateu-se sobre os gregos como há um ano caiu sobre os portugueses. O flagelo do fogo é um inferno que leva tudo à frente deixando um rasto de destruição e morte por onde passa. Ao vermos as imagens do fogo na Grécia, onde dezenas de pessoas morreram, recordamos Pedrógão Grande ou o 15 de outubro de 2017, em que a região Centro ardeu um pouco por todo o lado. Ao vermos a tragédia grega recordamos o cheiro a terra queimada dos fogos que varreram a nossa região. E choramos! Choramos em memória dos que morreram nas nossas aldeias indefesas, dos que pereceram à força bruta das chamas, e por quem nada fizemos. Por quem nada fazemos. Porque passado um ano de lágrimas e desassossego, de solidariedade intensa e dor envergonhada, tudo continua na mesma nas nossas terras, nas nossas aldeias e vilas queimadas onde ainda sentimos o cheiro lúgubre dos corpos mas onde adiamos intervir, salvar, dar futuro… Que país é este que tanto fala de prevenção, mas nada prevê nem responsabiliza, solidário, mas que, enterrados os corpos, se acotovela para sacar algum subsídio, que aproveita o flagelo para fazer a casa de campo, que mente em nome dos euros oferecidos para acalmar consciências.

2. Mas se na Grécia esta é a pior vaga desde 2007, com focos de incêndio a chegarem a zonas turísticas junto ao mar, no norte da Europa, e nomeadamente na Suécia, nunca se viu nada assim. Milhares de hectares ardem de forma continuada numa floresta impenetrável, autóctone, extensa e normalmente húmida, na região ártica, fria por definição, e onde o fogo, supunha-se, nunca seria um problema… É com surpresa que vemos os meios portugueses irem socorrer as florestas suecas e é inacreditável ver como a vaga de calor se estende por toda a Europa continental em contraste com o que se passa na Península Ibérica. O anticiclone dos Açores tem estas consequências surpreendentes e inesperadas.

Como facilmente se percebe, os fogos na Suécia evidenciam que a pacóvia e habitual afirmação de que os incêndios são “tudo mão criminosa” é uma patranha – há fogo-posto às mãos de criminosos e doentes, mas há, fundamentalmente, fogos por acidente, incúria, abandono do campo, despovoamento, desleixo ou porque as altas temperaturas mirram a natureza e qualquer faísca (natural ou provocada) pode causar uma ignição e um incêndio. E há sobretudo alterações climáticas, com o aquecimento global e fenómenos extremos, de consequências, todavia, imprevisíveis, mas que contribuem para o degelo polar e as temperaturas anormalmente elevadas como as que nos surpreendem na Suécia. Ou as secas prolongadas, como a que vivemos em Portugal no ano transato. Ou, no inverso, cheias intensas e em zonas menos habituais.

Entretanto, e enquanto o anticiclone dos Açores nos impede de disfrutar das condições meteorológicas habituais para a época, de calor intenso, percebemos que afinal a falta de meios de combate a incêndios é um problema comum a qualquer país, porque para combater o fogo os meios são sempre escassos. Esperemos que o verão, que entre nós ainda nem começou, seja suficientemente húmido para não sofrermos de novo com o flagelo dos fogos, porque o propalado planeamento foi diminuto, a prevenção é conversa e a limpeza do mato por decreto pouco travará perante o estado de despovoamento e abandono do mundo rural.

Luis Baptista-Martins

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