Arquivo

O Apito

O processo “Apito Dourado” prometia muito mas morreu na praia. A principal prova, as escutas telefónicas a Pinto da Costa e a mais alguns agentes desportivos, acabou por ser descartada. Não era que não fossem significativas, o problema é que faltava algo juridicamente importante na sua realização. Daí até serem consideradas ilegais, e inaproveitáveis para todos os efeitos, foi um passo que a Justiça deu com gosto.

A partir daí tudo decorreu como habitual: as escutas, que demonstravam, ou indiciavam fortemente a prática de vários crimes não eram válidas; logo, não podiam servir como prova; logo, era preciso basear-se a acusação na restante prova, testemunhal, logo falível; essa prova consistia, no essencial, no testemunho de Carolina Salgado – que tinha vivido com Pinto da Costa e mantinha agravos dele, sendo por isso suspeita a isenção do seu depoimento; para além disso, Carolina mostrava incongruências nas suas declarações – as datas não batiam certo, como alguns nomes ou uma e outra circunstância. É certo que tinha passado algum tempo, mas os testemunhos têm de ser confrontados, na sua falibilidade, com os factos que temos como certos. E aí Carolina falhou. Mas, dirão, os factos relatados por Carolina condizem, no essencial, com os factos dedutíveis das escutas a Pinto da Costa.

É verdade, e aqui reside alguma da beleza do Direito (com maiúscula), mas o facto é que essas escutas não foram validadas e, por isso, é como se nunca tivessem existido e, por isso também, o que lá vem é irrelevante e o que interessa é que o depoimento de Carolina Salgado, embora no essencial verdadeiro, tem algumas incongruências e é, por isso, falso.

O leitor está confuso? Tem algumas dúvidas acerca do que é verdadeiro e do que é falso? Não admira. O problema é que há dois mundos: o do realidade e o do direito. Ás vezes, raramente, coincidem. Outras vezes, demasiadas, seguem caminhos diferentes.

Esta questão deveria ser fundamental para nós, que vivemos num estado laico e temos poucas indicações de cima sobre como deveremos conduzir as nossas vidas. O que devemos fazer, procurar a verdade, a verdade mesmo, ou viver de acordo com a verdade judicial, mesmo que esta minta com todos os seus dentes podres?

Depende, diremos nós na nossa preguiçosa versão daquilo que deve ser uma vida virtuosa. Depende de muitas coisas, de, por exemplo, que tipo de fruta o leitor prefere.

Por: António Ferreira

Sobre o autor

Leave a Reply