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O Amor

Afirmam que a vida é breve,

Engano, a vida é comprida:

Cabe nela amor eterno.

E ainda sobeja vida.

António Boto

Passamos o tempo a falar de política, de guerras e de crise e parece que deixamos de celebrar o mais importante na vida do ser humano – o AMOR!!

Mas, afinal, o que é o amor? Poder-se-á descrever com mil palavras este sentimento tão igual e tão diferentemente sentido por cada um? O amor será eternamente indefinível pelo instrumento da palavra ou por qualquer outro instrumento, porém o homem teve, desde sempre, necessidade de projectar o seu interior para o exterior e por isso, ainda que se trate de meras tentativas, ele continuará a escrever e fazer arte sobre a mais bela das artes: o AMOR.

A antiguidade greco-romana viu o amor quase sempre como paixão dolorosa e, contudo digna de ser vivida e desejável em si mesma, e esta óptica legada pelos poetas de Alexandria e Roma permanece ainda hoje intocável nas várias manifestações artísticas: o amor continua a ser o desejo de completude, respondendo assim a uma necessidade profunda dos homens.

Platão explica como ninguém esta ideia naquele que é, entre a filosofia, o livro mais famoso sobre o amor, O Banquete, durante o qual alguns atenienses tentam explicar porque é que o amor exerce tanta influência no Homem. Para explicar o mistério da atracção universal Aristófanes lembra, recorrendo ao mito do andrógino original, que amamos uma pessoa que nos parece familiar, uma “outra metade” há muito tempo perdida e a quem estávamos ligados. Outrora havia três sexos, o masculino, o feminino e o andrógino, composto por seres duplos. Os últimos eram seres fortes inteligentes e ameaçavam os deuses. Então, para os dominar, Zeus, decidiu dividi-los. Desde então as metades separadas andam à procura da sua outra metade. Como diz Octavio Paz num ensaio sobre o amor, intitulado A chama dupla, «Este mito e o de Eva que nasce da costela de Adão são metáforas poéticas que, sem explicar realmente nada, dizem tudo o que há para dizer sobre o amor». Na verdade, o mito de andrógino continua a fazer eco e poderá ser entendido como uma realidade psicológica, uma vez que todos os homens e mulheres procuram a sua metade perdida. Somos seres inacabados e o desejo amoroso é uma sede contínua de complemento. Sem o outro não serei eu mesmo, sem a alteridade a identidade deixa de existir.

Depois de ouvir atentamente a explicação de Aristófanes, Sócrates expõe relembrando as palavras da sacerdotisa Diotomia, uma outra teoria sobre o amor – o denominado amor platónico – que marcaria para sempre as possíveis enunciações deste tema. O amor, ensina a sacerdotisa contando o momento em que Eros foi concebido, nem é belo nem feio, nem é pobre nem rico, nem é sábio nem ignorante, nem é mortal nem imortal, nem é homem nem deus. Quando nasceu Afrodite, os deuses festejavam o seu nascimento no Olimpo, no entanto esqueceram-se de convidar Peneia, deusa da pobreza e, após a festa, enquanto os outros dormiam, Peneia, faminta, vai procurar os restos e encontra Poros, deus dos recursos, embriagado. Deita-se com ele e concebe Eros, o deus do amor. Tal como a mãe, Eros vive faminto e sedento, desejoso de se preencher e, tal como o pai encontra sempre expediente para conseguir o que deseja.

O amor, diz-nos o filósofo, é mais do que uma atracção pela beleza humana, sujeita ao tempo, à morte e à corrupção, ele está distante do Eros tirano que nos escraviza à paixões dos sentidos, o amor não é repressor, o amor faz-nos procurar o que nos falta e diminui, é uma força impulsora, fecunda que nos incentiva a caminhar em direcção a nós próprios e à nossa verdadeira natureza sedenta do belo, do bem e da verdade.

Com efeito, o amor platónico é um daimon, um génio que serve de mediador entre os deuses e os homens. Amar é desejar o que nos completa, é a busca pela perfeição, é desejar o belo na sua essência para além do mundo das ilusões. O amor é como nos mostrará Psique, humana por quem Eros se enamorou, uma forma de o homem se imortalizar. É a intangibilidade do amor que nos eleva à condição divina.

Por: Cláudia Fonseca

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