Ainda a propósito dos ordenados e recompensas de António Mexia – o fogoso ex-ministro de Santana Lopes que sobe as escadas duas a duas, pai do famoso princípio do utilizador-pagador e actual líder da EDP – o Eng. Mira Amaral, outro ex-Ministro do PSD e incansável protagonista da nossa vida pública, considerou a famosa recompensa de 3,1 milhões de euros «chocante» (mais propriamente: com «valores economicamente chocantes»). Eu, como tantos outros que já o disseram publicamente, também. Considero-a mesmo um furto em grande escala e à vista de todos nós, pequenos contribuintes ditos invejosos, sem escala e maledicentes! Não lhe chegava o pornográfico salário mensal que aufere para considerar bem remunerada a sua genialidade empresarial, numa empresa que não fundou, que não é sua e que detém o monopólio no sector?
Percebe-se, assim, porque é que a electricidade está tão cara. Agora, que seja Mira Amaral a dizer que a coisa é «chocante» ou «obscena» é que dá mesmo vontade de rir. Corrijam-me se me engano: não foi este mesmo sujeito que por ter trabalhado cerca de ano e meio na CGD levou, como pensão, cerca de 18 mil euros (3600 contos) por mês do banco público? Se até este indivíduo considera as verbas de Mexia chocantes como não as considerará um trabalhador que recebe o ordenado mínimo?
Mas o que diz Mexia? Vale a pena ler a chocante entrevista que deu ao «Expresso». Ao contra-ataque! Sem se engasgar. Mexia energiza tudo aquilo em que mexe, incluída a entrevistadora, o seu ordenado e as suas recompensas. O nome coincide, de facto, com a coisa. E funciona a uma escala que seguramente não é a do seu próprio País. De resto, é ele próprio que o confirma ao dizer que a recompensa resulta do investimento no estrangeiro, já que com o nacional a recompensa seria igual a zero. Ele faz grande Portugal, projectando-o a uma escala que não é a sua, a do País, mas a sua, a de Mexia. Obrigado, amigo! Tome lá 3,1 milhões de Euros. Para o ano há mais. É que, não sendo accionista, sou utilizador-pagador.
Pelos vistos, ninguém consegue pôr mão nesta vergonha! São estes indivíduos quem acaba por dar razão a Francisco Louçã, quando diz que fica revoltado por se obrigar a trabalhar alguém que, afinal, só vai ganhar mais um pouco do que o que está a receber como subsídio de desemprego!
Apetece-me, por isso, citar um amigo meu sempre que depara com o obsceno: «o mundo está roto, chove lá como na rua».
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Afinal o PCP é o maior proprietário (privado) de imóveis do panorama partidário português: sozinho tem 270 imóveis contra os 156 de todos os outros partidos. Mas a sua riqueza não é proporcional à sua consistência eleitoral, porque é o mais pequeno partido com representação parlamentar (os verdes não contam porque nunca tiveram existência própria, nunca se sujeitando a eleições) (Público, 05.04.2010). O que vale é que este partido não partilha da visão proudhoniana da propriedade!
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O Daniel Oliveira, por quem tenho estima intelectual, veio falar, no «Expresso», a propósito da ideia lançada pela Ministra da Educação, das «repetências», dizendo, em síntese, que o problema é do sistema. Que, perante o falhanço do aluno, o Professor não deveria castigá-lo (mas não é disso que se trata), obrigando-o a repetir o ano, mas se deveria interrogar sobre o que é que, no seu ensino falhou, colocando-se virtualmente no lugar de progenitor (que quando falha é muito mais radicalmente). Certamente. Mas não deveria o Professor perguntar-se também sobre o que é que, no aluno (lui-même), falhou? Ou a culpa é sempre do sistema, que vai dos Pais aos Professores? Mas será que não entendem que, assim, se está a promover a desresponsabilização individual? Uma certa esquerda deveria reflectir profundamente sobre a ideia de natureza humana!
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Num registo semelhante, a questão das «PlayStation» para uso e consumo dos detidos no sistema prisional português. Como se a sociedade tivesse que expiar as suas fraquezas, as suas incapacidades, os seus pecados perante aquelas pobres almas que, por falta de pedagogia social e de orientação espiritual, por incúria moral e material da sociedade, se desorientaram neste mundo de perdição, neste vale de lágrimas. Eles têm, justamente, casa, comida e roupa lavada, têm via preferencial na assistência médica de primeiro e de segundo grau, têm programas de reeducação, de cultura e de lazer. Mas, infelizmente, também ficaram retidos, repetindo a vida, como castigo, durante uns anos. Não é, pois, normal que, por isso, tenham também direito a uma «PlayStation 2» (ou mesmo «3»), de preferência com jogos violentos e de destreza? A reeducação ficaria assim completa e verdadeiramente eficaz, para memória futura.
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Finalmente, um jornalista famoso, António José Cerejo, dessa ilustre plêiade do jornal «Público», vem dizer que se tornou assistente num processo contra José Sócrates, para exercer aquela que é a sua nobre missão de jornalista: fiscalizar. Eu julgava que a missão do jornalista era informar com imparcialidade, com objectividade e com equilíbrio. Para que o cidadão pudesse, esse sim, fiscalizar os actos do poder. Cerejo não deve ter lido bem os códigos éticos que regem a sua profissão, confundindo-a com a dos agentes da Polícia Judiciária, dos Juízes, dos Conselheiros do Tribunal de Contas, dos Juízes do Tribunal Constitucional, da oposição política no Parlamento, dos Órgãos Reguladores e das inúmeras Inspecções sectoriais que vigiam o cumprimento da Lei. Que me lembre, eu, cidadão português, nunca deleguei em Cerejo nenhuma competência fiscalizadora pública. Nem creio que haja um único português que o tenha feito, a não ser o seu Director. Sei lá eu quem é Cerejo!
Por: João de Almeida Santos