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Nós e o Syriza

A provável vitória do partido Syriza nas eleições legislativas gregas do próximo domingo colocam Portugal e os portugueses na expetativa de saber se alguma coisa mudará na maneira como a UE, o BCE e o FMI vêm lidando com as dívidas nacionais resultantes dos programas de auxílio que se seguiram à crise das dívidas soberanas.

No fundo, o que nos importa é saber se vai ou não a Grécia iniciar um braço de ferro e quem ganhará a disputa.

Declaradamente alguns, outros secretamente, estamos ao lado do Syriza, mesmo aqueles a quem os ideais da extrema esquerda não agradam particularmente.

Espoliados durante os últimos três anos, esmagados em apertos fiscais e diminuições de salário que nos vêm sufocando, ouvindo da Sra. Merkel, ou dos seus diversos avatares, alguns nacionais, que não há outro caminho que não seja cumprir religiosamente as metas de empobrecimento que nos impuseram, não podemos deixar de ver a vitória do Syriza como uma devolução da esperança de podermos acreditar que um outro caminho para a recuperação económica é possível.

Não creio que as propostas eleitorais mais radicais, como a saída do espaço euro, resistam ao pragmatismo do poder, nem que algumas exigências, agora afirmadas pelo Syriza, não se destinem apenas a ganhar espaço negocial, mas será sempre expectável que, em caso de vitória, nada fique como dantes na política económica europeia, particularmente na gestão das dívidas nacionais e nas estratégias de crescimento económico.

A vitória do Syriza significará, para a UE, a necessidade de encarar de frente um debate sobre as dívidas nacionais e o crescimento económico. É imperioso ultrapassar certas análises simplistas que apenas afirmam que quem deve tem de pagar. É inegável essa obrigatoriedade, mas ela não pode ser tão absoluta que coarte todas as hipóteses de crescimento e assim, condene os cidadãos dos países devedores a uma quebra abrupta do seu nível de vida e de bem- estar.

A verificar-se esta conjuntura, Portugal terá de seguir os passos do caminho que a Grécia desbravar. Mas essa via não pode ser percorrida por um governo que sempre seguiu a estratégia do bom aluno, da submissão às políticas de austeridade, que nunca discutiu a possibilidade de existir um outro caminho e que conduziu o país a um estado de empobrecimento acelerado, desigualdade galopante e dívida aumentada. Não é crível que o atual governo, ou a sua improvável continuidade após eleições, possa inverter o rumo que sempre seguiu.

A construção de uma outra via, a exigência urgente de um debate na EU sobre a reestruturação da dívida, sobre a possibilidade de alargamento dos prazos de pagamento ou sobre a diminuição dos juros, enfim, o percorrer de um novo caminho que possa ultrapassar a austeridade e iniciar um período de crescimento, só com outro governo poderá ser feito.

Assim, a vitória do Syriza na Grécia tornará mais urgente a realização de eleições legislativas em Portugal que permitam a escolha de outros protagonistas para percorrer esse outro caminho.

Por: Carlos Martins

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