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No pântano

Jogo de Sombras

1. Por mais que Ana Manso se esforce (em entrevista à Rádio Altitude, no início da semana), não se percebe como é que a proposta do orçamento de Estado para 2004, no que ao distrito da Guarda diz respeito, pode ser defensável, sobretudo por quem, para lá de obrigações partidárias, tem por dever – ou por pressuposto, pelo menos – defender, patrocinar e reivindicar em nome de um punhado de gente que lhe confiou esse compromisso. Já é suficientemente mau que a grande maioria das pessoas se esteja literalmente nas tintas para as discussões acerca de minudências como esta. Não é que o deve e o haver do Estado tenha deixado de constituir uma questão política e social basilar. Dela depende, de resto, o grosso do ciclo económico anual e, naquilo que nos toca por proximidade, do desenvolvimento do país no todo e de cada região no específico. O alheamento só reforça a imagem do pântano político em que estamos metidos. E é pior quando aqueles a quem está outorgado o papel de causídico – os deputados, eleitos para nos representarem – adoptam o discurso que politicamente mais lhes convém, passando uma esponja sobre a realidade. Qualquer um percebe, olhando para o plano de investimentos da Administração Central para o próximo ano sem se guiar por epístolas partidárias, que estão ali reunidas diversas condições que empurram o distrito da Guarda para um fosso cada vez maior perante outras regiões – e já não apenas as do litoral. O que faz o partido do Governo? Primeiro que tudo, tenta levar a crer que é mais importante para o destino colectivo examinar a cor e a exalação das águas públicas. Depois, como o tema não desperta atenção, embrulha-se num expressivo silêncio. Finalmente, passadas mais de duas semanas desde que a proposta se encontra em discussão, vem Ana Manso declarar que o PIDDAC é «magro e curto» para o distrito. Temos mulher? Nem por isso. Afinal, esclarece a deputada, as coisas são assim porque o Governo faz uma proposta realista, sem demagogias eleitoralistas, sendo generoso para o distrito doutras maneiras (a título de exemplo lembra que as portagens na auto-estrada são virtuais, como se fosse esse um ganho real para a região) e, como não podia deixar de figurar, tentando endireitar o que os governos precedentes entortaram. Aqui está o partido da maioria – o mesmo que outrora, na oposição, clamava contra o seguidismo, a incompetência e a falta de espírito reivindicativo dos deputados da situação – no seu melhor. Ocupando-se, em primeiro lugar, de si mesmo. Individual e colectivamente.

2. E ao lado, o que vemos? Um partido em fim de ciclo, que é um dos quadros mais confrangedores que pode haver em política. Desde a fuga de Guterres que o PS luta por afirmar um programa político mobilizador e uma liderança forte e incontestada. Em vão, como vemos. Ferro Rodrigues tenta agora descartar-se da politização de um processo judicial cujos fundamentos – sejam ou não verdadeiros – dizem respeito unicamente ao foro privado de um deputado (seja ou não culpado, que desse apuramento deverão tratar os tribunais), procurando partir de dentro para fora, ao encontro do país. Tarde e às más horas, como se percebeu no monólogo inconsequente e sem plateia que fez da Guarda, Sexta-feira passada, o primeiro palco do ensaio do retorno à estrada. É que, para lá das desgraças, a realidade do PS contemporâneo é esta: perdido o poder – o verdadeiro cimento ideológico que tinha mantido unida esta estranha família – o grosso da coluna bateu em retirada e o próprio conceito de oposição tornou-se num vão conceito que se vai cumprindo, penosamente, cada dia atrás de outro. Esperar algo mais é uma ilusão. Ninguém vê no horizonte uma mudança das coisas. Só o pântano – a perder de vista.

Por: Rui Isidro

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