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No frenesim da campanha

Theatrum Mundi

No frenesim da campanha, o PSD espera dissolver a indignação e a incredulidade provocadas pelos quatro meses de governação Santana Lopes e por toda uma legislatura marcada pela decepção, pelo arrepio em relação ao projecto inicial e pelos sacrifícios parece que feitos em vão. No frenesim da campanha, no discurso empolgado dos comícios e no abanar das bandeiras, Santana Lopes espera poder reverter o sentido de voto e provar finalmente aquela que foi a sua grande ideia da pré-campanha: que as empresas de sondagens não têm mais que fazer senão conluiar-se contra ele. Também não deixa de ser revelador que o referido dirigente já se apresente mais como oposição do que como governo que ainda é, apesar de demitido e demissionário. Considerando que a sua governação foi truncada a destempo pelo maquiavélico Sampaio, que foi ferido pelas inúmeras traições de amigos e correligionários, Santana Lopes aposta na sebastiânica imagem do dirigente vindo do nevoeiro político, a quem foi retirada prematuramente a hipótese de provar do que é capaz, e planando sobre o mar de injustiças de que se sente vítima. Mais grave do que isso, em meu entender, é que antes mesmo de Santana Lopes ter tido a oportunidade de comprovar aquilo de que muitos estavam certos, muitos aliás dentro do seu próprio partido, o governo PSD já dera provas de falta de projecto para o país. A saída de Durão Barroso para Bruxelas só agravou este sintoma e fez acumular as suspeitas de que aquele se esgotara. Sejamos claros: é perfeitamente normal que um político tenha a ambição de se tornar presidente da Comissão Europeia e também é perfeitamente possível indicar uma série de situações em que o facto de ele ser português pode vir a beneficiar Portugal. Ainda assim, o essencial da questão parece-me ser que o projecto que Durão Barroso apresentara para o país não resistiu ao abandono do dirigente que se havia batido por ele e que havia pedido votos — e os havia conseguido — para a sua concretização. É verdade que no entendimento do sistema político português prevalecem as maiorias parlamentares relativamente à figura do primeiro-ministro, o que levou o reticente Sampaio a empossar Santana Lopes e a confirmar a maioria parlamentar que não se alterara. Contudo, e a provar que contra os factos não há argumentos, os projectos não resistem à mudança de liderança, perdem coerência e legitimidade quando esta é exercida de forma dinástica e degeneram na busca do poder pelo poder. Mais ainda, não vale a pena escamotear que a saída de Durão Barroso deu um sinal extremamente negativo ao país — o de um dirigente que abandona o projecto por que se bateu e para o qual pediu a confiança do eleitorado. Em meu entender, o pessimismo que se sentiu crescer em Portugal nos últimos seis meses guarda uma relação directa com este facto, para além, claro, de a retoma não haver meio de chegar. O ciclo de governo e de confiança nele depositado foi o mais curto dos últimos vinte anos: motivo mais do que suficiente para provocar o sentimento de que o país terá recuado até os míseros anos setenta.

Por: Marcos Farias Ferreira

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