No passado dia 17, foi discutida, votada e aprovada na Assembleia Municipal da Guarda uma “Moção de Repúdio”, proposta pelo deputado Baltazar Lopes, sob o título “Discussão e votação das declarações públicas do Director do TMG, Dr. Américo Rodrigues”. O documento havia sido apresentado em 24.09, mas a sua discussão foi adiada para agora. Os resultados foram: votos a favor: 57; contra: 20; brancos: 20; nulos: 1. 25 deputados optaram por não votar. Os votos favoráveis vieram do PSD e grande parte do PS. E contra da CDU e parte do PS. O BE não participou. O visado pela moção foi o cidadão Américo Rodrigues, autor do blogue “Café Mondego”, homem de cultura e de muita luta. Em causa, oficialmente, opiniões que o próprio terá publicado no citado blogue. Ou seja, “afirmações insultuosas que o senhor Director do TMG, Dr. Américo Rodrigues, tem vindo a proferir em relação à Assembleia e aos seus membros”, pode ler-se na moção. Mas as verdadeiras razões são outras, exclusivamente pessoais e resultantes do défice de cultura democrática do proponente e apoiantes. Traduzidas na perseguição ad hominem com que Baltazar tem ocupado o seu tempo desde Julho. O caso remonta a um concerto de música erudita ocorrido na sede da Fundação Trepadeira Azul, boicotado por vuvuzelas, a mando do presidente da Junta de Aldeia Viçosa, Baltazar Lopes. A situação foi denunciada prontamente por Américo Rodrigues, seguindo-se o que se sabe. Mas nada disto teria acontecido sem a cumplicidade implícita do presidente da AM e da maioria da classe política local. Sobre o perfil de Baltazar, já se disse praticamente tudo. Só se mantém no cargo graças à cumplicidade da nebulosa de interesses político-empresariais locais. Que se defendem corporativamente, salvaguardando assim a impunidade, os métodos, os atropelos à legalidade e a avidez pelo poder. Apesar deste afirmar à imprensa que o assunto não é pessoal, ressalta claramente o contrário. Não hesitando Baltazar em utilizar um órgão autárquico como um cenário de política rasteira. E fazendo-o, é importante salientar, para minar a credibilidade do director artístico do TMG (que, não por acaso, é o mesmo cidadão visado pela moção), tentando inviabilizar a confiança política necessária à sua manutenção no cargo. Só assim se compreendem as declarações do proponente à imprensa, exigindo a demissão de AR. Por outro lado, a sanha de Baltazar foi bem acolhida pela maioria dos presidentes de junta, parte dos políticos locais e “notáveis” de vária ordem e ilustração. Todos eles primam pela incultura cívica, pela vaidade, pela boçalidade, pelo magno despotismo no exercício dos seus minúsculos poderes. A modernidade assusta-os. O sucesso dos seus concidadãos é para si uma afronta. A inovação e o verdadeiro desenvolvimento só interessam como decoração. O pensamento e a criação artística são sinais de uma pandemia que urge afastar da vizinhança. O seu modo de existência é o de uma ruralidade degradada, suburbanizada, incaracterística, bisonha, reactiva, arrogante e autista. Estão na política como poderiam estar noutro “ramo”. São os descendentes directos do miguelismo, do subdesenvolvimento e da morna corrupção moral. Ao ser-lhes oferecido um prato de lentilhas, sob a forma do aumento da dotação das freguesias, não hesitaram. Poderia a Assembleia Municipal da Guarda ter sequer aceite à votação esta moção? Em meu entender, a resposta é negativa. Por duas razões. Em 1º lugar, o conteúdo desta moção extravasa claramente as suas competências, definidas no art. 53º da Lei 169/99, de 18.09 (LAL). Em nenhuma das alíneas se prevê a possibilidade de o órgão emitir juízos sobre cidadãos individualmente considerados, nessa qualidade, sob qualquer pretexto. Em 2º lugar, a sua competência fundamental é “acompanhar e fiscalizar a actividade da câmara municipal”. O qual não inclui, obviamente, substituir-se a um tribunal, sempre que esteja em causa matéria onde a autarquia respectiva se considere lesada. Se foi esse o caso, deveria a AM ter endereçado uma queixa ao órgão jurisdicional competente. Fora de causa está a possibilidade de ela própria funcionar como um tribunal sumário. Onde está em causa o exercício de um direito fundamental por um cidadão. Onde nem sequer o próprio pode exercer o contraditório, como as “provas” fornecidas não são analisadas e valoradas por uma entidade independente. Ficando assim os deputados votantes à mercê da demagogia e da capacidade persuasiva do tribuno proponente. Que subtilmente confundiu o uso da liberdade de expressão do cidadão Américo Rodrigues com a sua qualidade de Director do TMG. Ideia essa que acabou por passar para a votação e para a opinião pública. Por outro lado, neste episódio, há que referir a intenção manifestada por Baltazar Lopes em prosseguir a sua sanha persecutória. Agora tendo por objecto a Fundação Trepadeira Azul, na pessoa do seu presidente, Mário Martins. Conheço este pessoalmente, bem como a sua notável acção em defesa do património ambiental local e da cultura. À qual só posso tecer os maiores elogios. Sabendo que, nesta área mais do que noutras, a acção em prol de causas não é possível sem pôr em causas interesses e poderes. Last but not the least, sobre o visado, Américo Rodrigues, três linhas. Após este episódio, AR posicionou-se definitivamente na Guarda como o elemento catalisador da dualidade modernidade / desenvolvimento / liberdade versus atavismo / subdesenvolvimento / carneirismo. Não que seja apologista das esquematizações a P&B, mas há situações onde elas têm todo o cabimento. Demonstrado ficou também que a sua intransigência e o seu destemor, em defesa de valores comuns aos defendidos pelo escriba, não só incomoda muitos, como o seu número se tem vindo a reproduzir desde que a luta começou, há trinta anos. Para ambos, quero expressar a minha inteira solidariedade.
Por: António Godinho Gil