Muito da nossa vida passa-se numa chávena de chá, num pequeno espaço onde somos meia dúzia, ou mesmo só dois e representamos o nicho último do Natal. As nossas vidas são na sua maior parte trabalho, descanso e nicho. Por vezes, o núcleo ínfimo é também o trabalho e o descanso, mas pode não ser. As nossas vidas têm pois uma fronteira difícil de transpor que é este reduto último da intimidade. Por muitos amigos, ou amantes que sejam, não vamos defecar ao pé de qualquer um, não conversamos da retrete para a larga maioria. Mas o nicho não é a casa de banho, entendamo-nos. O reduto último é o lugar onde estamos e devemos sentir-nos protegidos, livres. Não é concebível viver com maus vizinhos, ser molestado por pessoas do nicho, sentir desconforto à mesa do café. Não é tranquilo ter medo dentro do reduto. Esta entidade celular que é o nicho, o espaço intimo que afinal é coletivo tem uma enorme importância para a nossa vida e para a nossa estabilidade. Ao longo da vida fui percebendo como as emoções se destruíam e se complicavam naqueles a quem o nicho adoecia. A viúva, a órfã, o pai alcoólico, a maltratada, o amedrontado pelo vizinho, o divorciado e tantos outros desequilíbrios do espaço íntimo, conduziam pessoas pouco resistentes ao descuido, ao desmazelo, ao apoio químico, à necessidade de alargar o nicho (amantes, jogos de taberna, vícios de trabalho, viagens) substituindo ou procurando outro conforto, outro aconchego que o nicho representa. Há vários círculos deste conforto que começa no restrito da ceia de Natal e estendendo ao dono de bar que discute o futebol, ao restaurante junto ao trabalho e aos amigos do emprego e por fim ao vendedor do carro, ao concessionário da marca. Devia ser o nosso lugar seguro.
Por: Diogo Cabrita