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«Neste interior temos muita fome e muita miséria»

Cara a Cara – Entrevista

P – Quais os temas abordados no seu livro “SOS Crianças – O Presente e o Futuro”?

R – O livro resulta de uma pesquisa que fiz nos concelhos da Covilhã, Fundão e Castelo Branco, porque, antigamente, percorria todo o concelho da Covilhã na distribuição do leite escolar. Nessa altura, eu via, e foi isso que me fez escrever este livro, o estado de degradação social que muitas crianças passavam, com fome e miséria. O que me tocou muito foi ver que aquelas crianças não tinham uma boa rentabilidade escolar e eram desprezadas pelos outros. Por outro lado, no estado depressivo em que andavam, elas não tinham condições para obter bons resultados escolares. Isso sensibilizou-me muito e ficava muito triste quando ia para certas aldeias, que não vou divulgar. Tudo o que vem retratado no livro são histórias reais com que lidei diariamente. Eu percorri milhares de quilómetros para fazer esta pesquisa.

P – Como classifica a situação que encontrou?

R- É muito preocupante. Neste interior temos muita fome e muita miséria, especialmente nas aldeias. Menos nos centros urbanos, embora na Covilhã também existam casos preocupantes. São crianças cujos pais – uns deficientes, outros desempregados ou doentes – não têm recursos financeiros para poderem sobreviver. No livro há casos relatados de crianças que fazem a pé, e em jejum, um ou dois quilómetros para ir à escola, muitas vezes a chover. Notei também uma discriminação social que não sei como ainda pode haver em pleno século XXI. No ambiente escolar, quando deviam acarinhar aquelas crianças, acho que ainda as desprezavam mais. Quando, no intervalo, alguns alunos comiam uma sandes, aqueles não, sentavam-se no muro e sentiam-se desprezadas e tristes. Isso tocou-me muito e então decidi escrever este livro, porque as crianças são os seres mais indefesos do planeta.

P – Presenciou casos dramáticos de crianças a necessitarem de ajuda nos concelhos da Covilhã e Fundão?

R – Sim e muitos mesmos, de crianças entre os 6 e os 11 anos. A situação é semelhante nesses concelhos, mas com maior predomínio no Fundão. Espero que este livro possa sensibilizar as pessoas e as entidades responsáveis. Optei por não revelar os nomes das crianças, nem as localidades, por uma questão de privacidade. Por vezes, vemos na comunicação social que há jovens com 13 e 14 anos que já se marginalizam e andam na rua, mas tudo tem a ver com o ambiente familiar.

P – O que pretende com este livro?

R – O “SOS Crianças” é um pedido de socorro. Pretendo chamar a atenção da nossa sociedade, que deixem lá a hipocrisia e a ganância do dinheiro ou de fazer investimentos de milhões em coisas sem sentido. O nosso país dá milhões para ajudar outros países com dificuldades económicas, mas devia primeiro olhar para a pobreza que há em Portugal.

P – O que é preciso fazer para acabar com os casos relatados no livro?

R – Tem que haver mais apoio do Governo. O culpado disto tudo é o nosso Governo, como também esta sociedade hipócrita. Se fosse feito um levantamento da muita pobreza em Portugal, acho que isto ia para melhor.

P – Na sua opinião, de quem depende essa resolução?

R – Do Governo, porque é quem controla as outras instituições. Eles estão lá no bem estar dos gabinetes, têm os seus carros de milhares de contos, andam para aí em grandes almoços e jantares. Mas têm é que pensar no bem estar do país e, principalmente, das crianças.

P – Os casos relatados são do conhecimento dos organismos competentes?

R – Penso que não, mas poderão agora ter conhecimento através do livro, que é também uma chamada de atenção às entidades. A maior parte dos pais destas crianças, com quem contactei, são analfabetos. Aconselhei-os a irem ao Centro Regional de Segurança Social para falarem da sua situação, porque não posso ser eu a fazê-lo, até porque temos um país demasiado burocrático.

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