Assegurou-me a fortuna que me possa ter mantido toda a vida distante de estar envolvido em práticas violentas e outras sevícias, como sejam rixas nocturnas, praxes universitárias ou redes sociais digitais.
Por esta razão, desconheço se o tom da indignação e da contra-indignação acerca do cancelamento de uma conferência de um professor de Ciência Política sobre um tema político foi semelhante ao provocado por uma frase de um fadista português sobre cinema americano. Para conhecer o tamanho das indignações no Facebook e no Twitter, aplico uma regra muito simples: se, apesar da ordem de restrição médica que me impede de aproximar das redes sociais, o assunto chegar ao meu conhecimento por mais do que uma fonte, sei que a indignação foi um tsunami digital, e a frase de João Braga e as reacções provocadas estavam em todo o lado. Recordo que essa afirmação era apenas uma blague semelhante a “agora para ganhar o Nobel da literatura basta ser careca e comunista” ou “para ganhar a Casa dos Segredos basta ser alto e badalhoco”.
Para aqueles que largaram o Facebook durante cinco minutos para ler esta crónica e já se indignaram com mais três assuntos depois deste, relembro que o cancelamento de que falei no parágrafo anterior partiu da exigência feita por alunos universitários à direcção universitária para cancelar uma conferência universitária proferida por um professor universitário numa sala universitária. E fizeram-no com razão. Ninguém deseja que o meio universitário ofereça debate de ideias, choques de paradigmas ou comparação de teorias. Que a sorte nos proteja das universidades promoverem e oferecerem aos seus estudantes qualquer tipo de confronto fora dos ambientes seguros e confortáveis das praxes.
Recomendo, por isso, aos alunos militantes que estejam atentos e impeçam todas e quaisquer aulas ou palestras onde o assunto seja:
– Filosofia clássica grega (Aristóteles foi um conhecido preceptor de Alexandre, o Grande, um dos grandes imperialistas da história, e Platão era um xenófobo que escreveu que ser actor de teatro era indigno dos atenienses, pelo que deveria ser feito por escravos e estrangeiros);
– Teoria da Relatividade (Einstein era um machista que trabalhou com a mulher, mas nunca usou o nome dela);
– Poesia portuguesa (Camões escreveu uma epopeia nacionalista e Fernando Pessoa, um poema de exaltação ao saudosismo do Quinto Império);
– Genética (a investigação sobre genes aproxima-se perigosamente do determinismo biológico, uma corrente proto-racista que o relativismo cultural não pode aceitar);
– Economia financeira (o capitalismo é imperialista e, excepto para comprar iPhones, assistir à Netflix e andar de Uber, nunca nos serviu para nada).
Por: Nuno Amaral Jerónimo