Já muito se falou dos problemas urbanos que a nossa vivência desta cidade reflecte. O “caos urbanístico” expressão tão banalmente utilizada, e não raras vezes sem qualquer fundamentação técnica ou estética, parece ser a culpa de outros que todos utilizamos como desculpa nossa. A expressão resume tudo: inoperância da administração, investidores privados desinformados e abusadores, corrupção e dinheiro fácil, má qualidade técnica, …enfim, fica sempre bem falar do caos e paralelamente apresentar um ar de angústia e indignação. Mas esse “caos urbanístico” não é mais do que a metáfora do nosso actual paradigma enquanto habitantes das cidades… a indiferença.
Acho sobretudo que os cidadãos estão cada vez mais indiferentes à cidade, têm dela apenas uma sensação…a do caos…e por isso não a entendem como pertença sua. Uma definição de caos que o designa como “estado confuso dos elementos cósmicos antes da intervenção de um demiurgo” sugere precisamente a situação dos actores da nossa cidade, religiosamente à espera de uma ordem que um dia chegará por mão divina.
Mas esta desordem da cidade deve-se a todos os seus elementos: espaço construído, não construído, instituições, pessoas e bens, relações entre eles… que conjugados definem a ordem, ou a desordem. Eu acredito que entre todos esses elementos existe um capaz de determinar um movimento ordenado, o espaço público de qualidade.
A Guarda tem ainda substrato capaz de gerar esse motor de confluência de elementos a ordenar. Estão cá as avenidas, ruas, espaços não construídos que ocupamos diariamente, todas as cidades os possuem. Na Guarda o que acontece é que esses espaços estão desqualificados porque são entendidos como espaços de transição ou apenas sobrantes e, por essa razão, neles só acorrem as actividades estritamente necessárias, nas quais se despende o mínimo tempo possível.
Estudos efectuados sobre a dinâmica das relações dos utilizadores com o espaço público comprovaram que o estabelecimento de relações de dependência, naturalmente associadas à qualidade do desenho urbano, à presença de mobiliário urbano adequado e à qualidade ambiental do espaço, é um factor determinante no aumento de permanência das pessoas nesses mesmos espaços.
O espaço público precisa de conforto, funcionalidade, beleza, pois desempenha o papel de ordenador e estruturador do espaço construído, assumindo-se com uma permanência que já não podemos atribuir aos edifícios. O que acontece é que as nossas ruas estão doentes, precisam de tratamento: passeios e pavimentos de qualidade, árvores, mobiliário urbano, conveniente iluminação pública, precisam de identidade. Os espaços públicos terão de ser capazes de dinamizar funções tão fundamentais como o recreio/lazer no exterior, equilibrando as noções de função, forma e contexto. Segundo Nuno Portas trata-se de “desenvolver uma escala pública em que uma imagem humanizada se liga a exigências fortíssimas em termos funcionais, de durabilidade e de capacidade de comunicação de imagens/formas. Trata-se de recolocar o desenho e a morfologia urbana de pormenor no centro da mais premente actualidade da produção da cidade.”
No que respeita à cidade construída é preciso diagnosticar a doença e aplicar o adequado tratamento a cada espaço público em questão. Nas partes de cidade a construir é preciso tomar medidas de prevenção e produzir, desde logo, espaços públicos de qualidade, resistentes à doença. Ao cidadão cabe, sobretudo, ser exigente com quem gere a produção dos espaços públicos qualificados que lhe pertencem e, como utilizador, responsabilizar-se pela manutenção da sua saúde. Enveredar pelo caminho da ordem é possível e não é certamente do domínio do divino.
Por: Cláudia Quelhas