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Nada mudou, nada muda

Sinais do Tempo

Ao findar mais um ano, vamos ouvindo ou somos chamados a intervir em conversas de café, mesmo que não se tome o dito cujo e a conversa pouco adiante porque ausente de novidades, os temas e todas as discussões acabam inevitavelmente na crise, ela própria recorrente, arrastando o nome dos pseudo responsáveis pela lama.

Na realidade, até os apoiantes (já poucos) do Governo, abandonaram aquela pose do “eu sei tudo… porque sei… e escolheram-me porque só eu sei que tudo sei”, apresentando uma atitude do tipo: “pronto, eu sei que sei tudo, mas sei que vocês também já sabem alguma coisinha… e embora não estejam no Governo podemos dividir a sabedoria” (que é como quem diz, as responsabilidades). É assim que estamos neste momento e estamos assim porque nos faltam Homens Políticos, restando-nos os políticos que também são homens, mas este défice não atinge apenas o nosso país é uma epidemia que se instalou na Europa. Falta liderança com capacidade de se impor perante os temíveis mercados. Até porque os mercados são todos eles. Neste momento de desespero criticamos a China por não respeitar os direitos humanos e de seguida queremos vender-lhes a nossa divida. Criticamos a “democracia” da Venezuela, para de seguida lhe vendermos casas e computadores.

Leia-se Camilo, Eça ou Ramalho e compare-se com o que hoje se escreve sobre os políticos actuais e que nos governam. A crítica e a análise que se fazia então tem algo de comum, algo de recorrente, com a actual, ou seja, a crise tem o mesmo mau cheiro.

Nós, os portugueses, somos assim, calmos nos actos mas vivos nas palavras.

A corrupção é notícia, fala-se e discute-se no autocarro, os culpados são apontados antes de serem julgados, mas as penas são no geral decepcionantes e desproporcionadas ao alarido. Os incorruptíveis criticam as leis e exigem-nas menos flexíveis, os “culpados”, a quem chamam pomposamente presumíveis arguidos, conhecidos também como “inocentes até transitar em julgado”, clamam justiça. No final culpam-se as leis, as polícias e até os ilibados por não se terem exposto mais. Pelo meio ficam estilhaços das gravações de conversas, habitualmente tornadas públicas antes de serem destruídas.

No Interior pedimos mais investimento e desenvolvimento, sem sermos correspondidos e assim desertificamos e envelhecemos. Ao contrário do que afirmou Mário Lino, o deserto não está a sul do Tejo, está mesmo aqui, próximo da fronteira. Fornecemos ao longo de todo o século XX mão-de-obra barata para Lisboa, Brasil e França, que por sua vez foram emprestando as economias à banca, que por sua vez o foi emprestando para projectos um pouco por todo o litoral, todos ganharam excepto o Interior. Agora se fizermos bem as contas ainda somos credores e portanto não se envergonhem, exijam. Percebi recentemente que um passe para transportes públicos na Guarda é mais caro do que o de Lisboa, proporcionalmente ao serviço disponibilizado e por outro lado quando nós começarmos a pagar as portagens nas defuntas SCUT, vamos ter os lisboetas (alguns geneticamente beirões) a circular nas auto-estradas, denominadas CRIL, CREL, IC19 e 17 de forma completamente gratuita.

Reclamamos, berramos mas depois de forma resignada aceitamos e vergamos. Vergámos perante os castelhanos, perante os franceses, perante as ditaduras monárquicas e republicanas, vergámos perante a Europa e perante os chineses, perante a Telefónica e vamos vergar perante a Oi, vergámos perante o Brasil e fizemos o negócio do século comprando as oficinas da Varig que agora acumulam prejuízos, vergámos perante o BPN, até perante Lisboa vamos vergando, sei lá, já tanto vergámos que em breve só nos resta o FMI para nos endireitar.

O país entrou em contagem decrescente para o fim … do ano, claro! Outras contagens decrescentes se farão em 2011, nomeadamente nos nossos bolsos, porque o Estado vai tentar pagar o que deve aos mercados esperando que estes emprestem de novo, tal como um carrossel elegante, com subidas e descidas, convidando a mais uma volta mágica e de ilusão.

Nada mudou, nada muda porque afinal o mundo não é composto de mudança e claro que nunca, mas nunca, será de novo uma criança.

Feliz 2011.

Sugestão: Leia o texto e ouça José Mário Branco, “Mudam-se os tempos mudam-se as vontades”.

Por: João Santiago Correia

Comentários dos nossos leitores
David Pinto bestdavid1@hotmail.com
Comentário:
Tal como disse: “falta de liderança”, fantoches. Como dizia Bordalo Pinheiro que viveu na mesma época de Eça e que caracterizavam bem a época que se vivia, a Grande Porca que era (é) a Politica, a Galinha Choca que era(é) a economia portuguesa e o Papagaio que era(é) o Parlamento. Qualquer semelhança com a actualidade é pura coincidència.
 

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