Em tempos que já lá vão, em que a sociedade estava devidamente organizada e as coisas corriam normalmente, os ricos eram gordos e os pobres eram magrinhos. Hoje as coisas inverteram-se e na generalidade os pobres têm excesso de peso e os ricos podem dar-se ao luxo de manter o peso dentro de parâmetros normais. Era mais ou menos isto que dizia o primeiro parágrafo de um artigo de uma reputadíssima revista americana (“The Economist”) que eu normalmente não leio mas que o meu ilustre amigo e causídico António Ferreira, igualmente colaborador deste jornal e que lê praticamente tudo o que se publica no mundo, me fez chegar às mãos. Lembrei-me logo da fortuna que gastei em produtos dietéticos de marca que comprei num estabelecimento da especialidade há uns tempos em que, apavorado por valores elevados de gorduras no sangue, excesso de peso e uma angustiante baixa de forma no futsal, decidi impor a mim mesmo um regime rigoroso de contenção calórica e fomento de boas práticas alimentares.
Não nadando eu em dinheiro, sempre reconheço que há muita gente com menos possibilidades económicas e que está irremediavelmente condenada à ditadura do sal, do açúcar e da gordura que entram na composição de tudo o que sabe bem. Longe vão também os tempos em que comer picanha era um privilégio de gente endinheirada que podia frequentar restaurantes de elite; hoje pelo contrário qualquer tasco apresenta pretenciosamente picanha no cardápio muitas vezes acompanhada de um inacreditável arroz de feijão (parece que pegou moda), quando não dos inefáveis “champinhons”. Entretanto no “Gambrinus”, no “Porto de S. Maria” ou no “Carlos” arriscamo-nos a ter que fazer o sacrifício de comer umas marmotinhas-de-rabo-na-boca (que nome espantoso!) com arroz de legumes a preços verdadeiramente europeus. Naqueles tempos os mais abonados bebiam whisky e os outros bebiam tintol, enquanto que actualmente ele é ver o pagode enfrascar-se com “scotch” (tantas vezes marado) que definitivamente destronou o velho e honesto bagaço das preferências digestivas dos portugueses e, por outro lado, quem pode deliciar-se com bons vinhos inevitavelmente caros. Antigamente, nas mesas abastadas, as doses eram fartas e variadas, o mesmo não sucedendo hoje em dia em que a excelência da qualidade gastronómica é inversamente proporcional à quantidade de comida com a distribuição dos géneros alimentares rigorosamente respeitada; por outro lado, nos circuitos menos abonados a qualidade de um restaurante mede-se habitualmente pelo tamanho da travessa (é pá! aquilo uma dose dá para dois à vontadinha e ainda sobra, caraças!) ou pelo número de camiões estacionados na vizinhança.
O prato mais caro do “Carrocel”, na Costa de Lavos (passe a publicidade), é o bucho de bacalhau que não há muitos anos era desprezado pelos gatos e agora é superiormente preparado com grão de bico e se dá a conhecer pelo pujante nome de “Samos Marinheiros”. Há tempos, pelas 8h15 da manhã, só à terceira tentativa e já desesperado é que consegui encontrar uma sandes de fiambre normalíssima em papo-seco (ou molete, como queiram), que já de si é uma sombra do passado, enquanto os expositores dos cafés onde entrei estavam atulhados de “panikes” e quejandos a transbordar de colesterol e açúcar e que pelos vistos vendem que se fartam. Com a desculpa de que ainda não tinha chegado o padeiro. Ainda hei-de ver o dia em que alguns afortunados conseguirão com alguma perspicácia e muito dinheiro saborear uma faneca ou um filete de pescada (daqueles a sério) com um arrozinho de tomate e uma saladinha, enquanto por toda a parte estará generalizado o hábito de enfardar Rosbife ou Lagosta (transgénica e de aviário). Com “champinhons”.
Por: Vasco Queiroz