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Na terra dos sonhos

Crónica Política

«Na terra dos sonhos, podes ser quem tu és, ninguém te leva a mal/ Na terra dos sonhos toda a gente trata a gente toda por igual/ Na terra dos sonhos não há pó nas entrelinhas, ninguém se pode enganar/ Abre bem os olhos, escuta bem o coração se é que queres ir para lá morar». São versos de Jorge Palma que nos obrigam a acrescentar… Lidamos com canalhas mas agimos como anjos.

Numa viagem à história do século XV, Constantinopla já estava cercada pelos turcos otomanos, mas, antes da queda iminente, os teólogos discutiam, com ardor científico, a dúvida perturbadora do sexo dos anjos, permanecendo alheios a um mundo à sua volta que se transformava, cenário parecido com o que atualmente vivemos na Guarda.

Parece haver um receio instalado em discutir política, não sei ao certo o motivo. A política deve ser discutida, pois só assim conseguiremos melhorar as nossas relações, o nosso ambiente e o local onde escolhemos viver. Então por onde começamos? Começamos por questionar, em não aceitar respostas prontas, soluções dadas. A realidade está em constante movimento e em relação direta com as pessoas e isso coloca-nos como ativos, como responsáveis. Identificar que por trás de cada discurso há um interesse pronto para se evidenciar. Arrancá-lo por de trás de uma cortina que o mascara é enxergar a quem esse ou aquele discurso beneficia, é entender qual a real intenção dele. E, ai sim concordar ou criticar.

Por essa razão tendemos a não ouvir falar do que realmente interessa “territórios francamente despovoados, em que se verifica um grande envelhecimento da população” e, no caso do distrito da Guarda, acrescenta as condições climatéricas adversas. Até o próprio Presidente da República defendeu que a interioridade tem de ser mais um estímulo do que um estigma para que, «com engenho e arte», se encontrem «novos caminhos de crescimento e de afirmação identitária», sustentou o chefe de Estado. Medidas onde estão? Ah! Sim, esqueci-me… a anunciada festa.

Talvez ainda não seja tarde, Sr. Presidente, para reconhecer que através de uma descrição quase sinestésica venha à Guarda, respire na mais alta cidade, veja o Anjo da Guarda, prove as excelentes iguarias dos enchidos, bolos e doces tradicionais, cheire o madeiro a arder junto à Sé Catedral da Guarda e sinta o ar frio que lhe aquece a alma… Mais ajustado, pelo menos parece-me, seriam assim adoçadas visões e geradas impressões mais agradáveis à Nossa Guarda apelando vivamente à participação dos guardenses e convites aos invernantes.

É preciso descobrir, disfrutar e reconstruir uma imagem do interior, apelativa e capaz de destruir a imagem de interioridade até porque sabemos que há alguma displicência nestas incursões, às quais lhe poderíamos chamar de “geografias políticas”, parece-me que a expressão poderá causar mais inquietação com as balanças do poder.

Talvez ainda não seja tarde, Sr. Presidente, olhar para os recursos endógenos da nossa Guarda e assumir o desafio de melhorar a vida; Talvez ainda não seja tarde, Sr. Presidente, aperfeiçoar as redes turísticas que convocam toda a nossa região, como são os casos das Aldeias Históricas; Talvez ainda não seja tarde, Sr. Presidente, uma interação de todos que vá para além das festas e “fogo de artifício”; Talvez ainda não seja tarde, Sr. Presidente, pois já se percebeu que os desperdícios e as extravagâncias orçamentais a nível municipal prejudicam as nossas condições de vida; Talvez ainda não seja tarde, Sr. Presidente, utilizar os fundos do quadro comunitário de apoio como um instrumento essencial para incentivar o crescimento da nossa economia e a criação de emprego qualificado; Talvez ainda não seja tarde, Sr. Presidente, pois apesar do caminho já percorrido e dos resultados positivos alcançados, é evidente que há muito por fazer e que os tempos adversos não acabaram; Talvez ainda não seja tarde, Sr. Presidente, terminar com discursos de promessas ilusórias e de um futuro de crescimento… Já desconfiamos!

A 27 de novembro a Nossa Cidade, a mais alta, comemora os seus 816 anos e nisso há que preservar a lucidez, pois se olhássemos mais para o que nos rodeia talvez tomássemos decisões mais equilibradas; senão veja… O posicionamento geográfico face ao país e à Europa tem de resultar da combinação da distribuição de poder local e central a sua localização geográfica e dos recursos que esta lhe proporciona (ou a falta deles), do seu percurso histórico e da identidade cultural que se foi criando durante vários séculos. Destes fatores resulta a existência de dois grandes eixos de inserção estratégica que se têm mantido constantes no tempo longo, mudando apenas no grau e na forma: geocentralidade e turismo. Neste quadro, há assim duas possibilidades de posicionamento relativamente ao poder que se colocam à política. A primeira resulta do próprio alinhamento ao centro da Península Ibérica, acessibilidades e porta de entrada para a Europa. A segunda consiste no desenvolvimento de alianças equilibradoras do turismo, da Serra da Estrela, da saúde e do património cultural edificado e tradições, que seriam sempre alianças mobilizadoras.

Pensar-se que a Guarda poderia hoje, como em tempos, voltar a uma posição de não crescimento é pensar-se que o Sr. não existe.

Por: Cláudia Teixeira

* Militante do CDS-PP

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