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Na Mesa de Operações

O Zé está muito doente, tanto que tem de ser operado de urgência. Está deitado, rodeado de cirurgiões e enfermeiros. Deram-lhe a anestesia e perde rapidamente a consciência, mas ainda tem tempo para ouvir o médico que o vai operar, já de bisturi na mão, perguntar à equipa “Malta, algum de vocês sabe de que lado fica o apêndice?”, e de ouvir alguém responder “apêndice, o que é isso?”. O Zé, a quem era suposto ser removido um linfoma (“o que é isso?”), tem evidentemente todas as razões para se preocupar nos breves segundos que lhe restam antes de a anestesia fazer efeito.

Nós, os muitos Zés e Antónios e Marias que constituímos o povo português, temos todas as razões para estar também preocupados. Para nossa sorte temos muitos e bons médicos, bem melhores em geral, na sua especialidade, do que os políticos na deles. O problema é que são estes quem manda e quem determina boa parte do nosso futuro. A acreditar no que dizem, vemo-nos confrontados com um gigantesco problema: ou terão de subir os impostos, ou deverão baixar os salários, ou a despesa pública em geral, ou tudo junto.

Cada uma das soluções apresenta um grave defeito. A subida de impostos vai matar a retoma no ovo e aprofundar a crise económica, até porque a actual carga fiscal já é demasiado pesada e está a impedir as empresas de investir e de contratar pessoal. A diminuição de salários vai restringir o consumo e assim prejudicar indirectamente as empresas e, sobretudo, agravar as já precárias condições de muitas famílias. A diminuição da despesa, excluídos os salários, tem também um obstáculo de monta, sendo este a incapacidade das forças políticas em determinarem quais as despesas em que é possível cortar. Não fazer nada também não é opção, que os mercados internacionais exigem medidas concretas para a redução do défice orçamental (critério último, neste momento, da credibilidade das nossas finanças e da nossa economia), sob pena de nos ficar totalmente vedado o acesso ao crédito – e todos sabemos que precisamos de crédito para poder manter o nosso actual nível de vida, que há muito não produzimos o suficiente para tanto.

Passos Coelho, depois de recusar liminarmente o aumento de impostos, recusou clarificar as áreas onde deveria haver diminuição da despesa. “Responder a essa pergunta”, perorou, “seria subverter a ordem das coisas e pôr a oposição a governar”. Ou, dito em português corrente, “não faço a mínima ideia”. Os partidos de esquerda vão recusando a diminuição da despesa, o aumento dos impostos (a não ser sobre os lucros “fabulosos” da banca) e, liminarmente, a diminuição dos salários ou das prestações sociais. Por outro lado, preconizam, como sempre, um aumento generalizado dos salários e das pensões.

Cavaco Silva diz que é preciso os partidos entenderem-se no orçamento, mas também não aponta grandes medidas concretas. Manuel Alegre diz que o FMI não tem de entrar em Portugal, que podemos perfeitamente resolver os problemas sozinhos, que não pode haver aumento de impostos.

Meus caros leitores, é melhor irmo-nos preparando para uma difícil operação: os cirurgiões não sabem nada disto, o bisturi está rombo, e não vai haver anestesia.

Por: António Ferreira

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