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Mudar… ficando tudo na mesma

Editorial

1. Como António Costa mais uma vez repetiu no último Congresso do PS, a regionalização não avançou, com manifesto prejuízo para o interior (e foi no interior beirão e trasmontano que a oposição à regionalização foi massiva por culpa dos mais reacionários e ignaros caciques, autarcas e defensores do Portugal Uno, assimétrico e desigual), mas avança a descentralização. A promoção da descentralização começou com as comunidades e vai cristalizar-se com as “regiões-plano” com presidência eleita interpares pelos autarcas (nas costas do povo e sem legitimidade democrática) – exceto em Lisboa e Porto, cuja maioridade eleitoral e democrática é reconhecida (e irá eleger os líderes das regiões metropolitanas por voto universal). Erradamente, digo eu. O próximo presidente da CCDR Centro deveria ser eleito pelos eleitores do… centro, ou seja, por sufrágio universal. E a presidência das CIM também deveria emanar da vontade popular e universal e ser eleitoralmente responsável e escrutinada pelos respetivos eleitores. Só desta forma haverá uma dinâmica identitária e responsável entre eleito e eleitor. O atual modelo é uma palhaçada decidida entre correligionários e amigos sem a observância efetiva do interesse do território e dos cidadãos.

2. Paulo Fernandes é presidente da Câmara do Fundão e da CIM Beiras e Serra da Estrela. Compreensivelmente está focado na autarquia a que preside. Ainda não abraçou decisivamente a Comunidade; ainda não assumiu a CIM com o foco que ela exige; lidera mas ainda não “tomou conta” de uma CIM que tarda em mover-se e que ainda não uniu a região visando a promoção de objetivos comuns. Não basta existir, receber candidaturas e “despachar”, é preciso idealizar (em conjunto), projetar, planificar, promover, reivindicar (o que é do interesse comum), integrar, divulgar, elevar e determinar o desenvolvimento da região em todos os sectores.

A reivindicação de 50 por cento de desconto nas portagens defendida por Paulo Fernandes é, porém, um “grito de Ipiranga” em nome da CIM Beiras e Serra da Estrela, é uma prova de vida de uma região moribunda, é uma censura ao assalto perpetrado contra o interior e é a voz da razão em nome de uma região – o discurso pode parecer patético em Lisboa, mas é assertivo e tem de ser repetido ad nauseam: o PIB per capita da Beira Interior é metade do de Lisboa e Vale do Tejo, por isso, «as portagens deveriam reduzir cerca de 50 por cento para ir ao encontro do que é a riqueza comparativa da região em comparação com as zonas mais desenvolvidas do país», e que o são nomeadamente porque têm recebido, ao longo de anos, mais apoios, mais incentivos, mais fundos de coesão e estão mais perto dos centros de decisão. Paulo Fernandes deu expressão ao sentimento das pessoas que se sentem vilipendiadas e que, por princípio, são contra as portagens, reivindicando que, tendo que pagar portagens, na Beira Interior o preço/quilómetro deveria ser igual (equiparado) ao que é o PIB per capita da região.

3. Ainda que muitas vezes não tenhamos a perceção do quanto é determinante, a Cultura é, sempre, o “motor de arranque” de tudo. É com cultura que melhoramos a nossa capacidade de trabalho; que melhor interpretamos a realidade; que melhor nos preparamos para a vida… E é com a vida cultural de uma cidade que encontramos o elixir para viver a urbe e viver bem na urbe.

A Guarda já reivindicou o epíteto de “capital cultural”, mas nos últimos anos a cultura foi perdendo relevância e a cidade optou por outros caminhos de menor elevação cultural. Pelo meio houve alguns momentos relevantes, mas desgarrados por falta de uma política cultural.

É neste contexto que temos de reiterar o aplauso ao Simpósio de Arte Contemporânea – Cidade da Guarda. Apesar do baixo orçamento e de muitos não terem reconhecido a relevância da atividade, o Simpósio foi a melhor ideia e o projeto mais intenso inventado nos últimos anos na cidade mais alta – ainda que sem uma dimensão excecional. Foi uma boa ideia, que deve continuar, que faz sentido alargar no tempo, que tem utopia e sentido de equilíbrio e pode deixar uma marca indelével na urbe, enquanto cidade de arte e cultura. Muito para além do espólio, o legado é imenso pela obra criada e vivenciada, pela beleza da criação artística, pela oportunidade de ver fazer e respirar o ambiente artístico.

Luis Baptista-Martins

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