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Medalhas, ladroeiras, cagadas e outras palhaçadas

Crónica Política

Tempos houve em que, por atos considerados relevantes para a “coroa”, os reis distribuíam terras e prebendas por cavaleiros, padres e outras figuras. Mudaram-se os tempos mas não as vontades. Ou, melhor dizendo, as vontades e os hábitos…

O país assistiu recentemente, atónito, à condecoração de Durão Barroso por Cavaco Silva com o Grande Colar da Ordem do Infante D. Henrique, por «serviços de extraordinária relevância» para Portugal e União Europeia.

Durão Barroso é aquele homem que trata o sistema por tu, é o tipo do “porreiro pá”, lembram-se? Quem tiver a memória curta terá esquecido que foi o artista que deixou o país de tanga e foi engordar, durante 10 anos, para Bruxelas. Na Europa, para se ver algo que tenha feito e que mereça ser registado pela história, é preciso recorrer ao telescópio espacial Hubble. Voltou a Portugal todo inchado e com uma prosápia que só tem paralelo na reforma vitalícia de 11 mil euros por mês e no subsídio de reintegração e de transição durante 3 anos, que pode chegar aos 200 mil euros por ano. Além disso, vai ganhar um salário extra de 25 mil euros, mais despesas de deslocação.

O problema é que a velhinha cerimónia da imposição de coleiras a figurantes que muito têm contribuído para a asfixia social em que nos encontramos não é de agora. Recordam-se da festança na Câmara Municipal da Covilhã, aquando da “merecida e singela” homenagem a José Sócrates pelo trabalho desenvolvido “a favor da cidade”? Ou da concessão, pela Universidade da Beira Interior, de um doutoramento honoris causa a Zeinal Bava, o homem que foi decisivo a desfazer em fumo anos de trabalho na Portugal Telecom? Ou da homenagem de há um ano, pelo Instituto Superior de Economia e Gestão, de Lisboa, a Ricardo Salgado, o homem que, foi dito na altura, «é um exemplo de liderança (…), tem as relações nacionais e internacionais certas (…), faz delas a gestão sensata, e zela pelo ativo mais preciso da atividade bancária: a confiança»? Assim mesmo, a modos da farsa mais ridícula que se queira imaginar!

Não se trata apenas da nostalgia que as elites sempre sentiram pela nobilitação. Estes rituais prenhes de parolice e vaidade, próprios das sociedades pós-aristocráticas, que gostavam de tratar os servos por tu, têm por objetivo reescrever a História à custa da criação artificial de uma glória totalmente imerecida que encubra precisamente o contrário daquilo por que se homenageia! Por uma monárquica associação de ideias vem-me à memória a célebre carta dirigida por Pina Manique, Corregedor de Santarém (e futuro Intendente de Polícia do Marquês de Pombal), ao Duque de Cadaval, Corregedor-Mor da Justiça do Reino, que aqui transcrevo na íntegra:

“Exmo. Sr. Duque de Cadaval: Se meu nascimento, embora humilde, mas tão digno e honrado como o da mais alta nobreza, me coloca em circunstância de V. Exa. me tratar por tu, caguei para mim que nada valho.

Se o alto cargo que exerço, de Corregedor da Justiça do Reino em Santarém, permite a V. Exa., Corregedor Mor da Justiça do Reino, tratar-me acintosamente por tu, caguei para o cargo.

Mas, se nem uma nem outra coisa consentem semelhante linguagem, peço a V. Exa. que me informe com brevidade sobre estas particularidades, pois quero saber ao certo se devo ou não cagar para V. Exa.

Santarém, 22 de Outubro de 1795”.

E mais não digo, que para medalhas e diarreias por hoje já basta. Olé!

Por: Jorge Noutel

*Militante do Bloco de Esquerda

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