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Mazelas

Há de certeza quem não sofra com o avançar dos anos, quem os veja chegar com tranquilidade e aceite calmamente o acumular de pequenos inconvenientes, mas não é o meu caso. Defendi durante muitos anos a teoria de que não há doença que não passe com o simples decurso do tempo, por vezes com uma pequena ajuda exterior, mas começo a perceber que o meu remédio, a simples passagem do tempo, de solução passou a problema. Li há dias, já não me lembro onde (que a minha memória também tem as suas queixas), que o nosso corpo não foi desenhado para andarmos erectos. A nossa posição natural é, peço desculpa mas não tenho tempo para encontrar melhor forma de o dizer, a quatro patas. O facto de termos passado a bípedes, de irmos por isso contra a nossa natureza, leva a uma pressão sobre os joelhos que estes não estão preparados para suportar. O desgaste dos joelhos acaba por ser o fruto de uma dupla violação do nosso destino: quando deixámos de ser quadrúpedes e quando passámos a viver muito para lá do prazo de validade que nos estava inicialmente destinado. Dirão que é também uma questão de tempo até que a humanidade evolua de forma a corrigir esse defeito de origem, mas isso representa pouco alivio para quem se queixa agora.

Há também os olhos. Passamos a vida a olhar, a ler, a ver televisão, a decifrar símbolos, a tentar descobrir que coisas pequenas são essas que flutuam no nosso prato. Um dia lá nos resignamos a usar óculos, e depois óculos mais grossos. Há quem faça operações aos olhos, geralmente executadas por médicos que usam óculos. Serão os olhos deles inoperáveis?

E os ouvidos? Um dia repara-se que as pessoas falam mais alto connosco, ou então somos nós que falamos mais alto. Ou então aparece um zumbido que se não vai embora. As costas? Não me falem das costas, nem, já agora, de colesterol (bom, mau ou assim-assim), ácido úrico, glicemia, ou qualquer outro dos muitos temas de conversa favoritos do nosso tempo.

É verdade que passamos muito mais tempo a falar de problemas de saúde do que falávamos, e isso só quer dizer que estamos mais velhos e gastos. Todos. Se a população envelhece, no sentido em que há uma maior proporção de idosos do que havia, é natural que se pague a factura correspondente. Descobri na internet as projecções da ONU para a população mundial, as actuais tendências: em 2020, a média de idades em Portugal e na Espanha vai ser muito próxima dos cinquenta anos. Que cheguemos lá todos para ver como vai ser, com as nossas mazelas bem controladas.

Já agora, sabem que ainda há quem, na nossa espécie, ande a quatro patas? Se não acredita, veja pelos seus olhos: http://www.picarelli.com.br/clipping/clip28032006.htm

Por: António Ferreira

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